Parte 3 - Final. História da riqueza do homem. Cap. XV ao Cap. final p. 183 a 318

A história da riqueza do homem
Cap. XV ao cap. final
Páginas 183 a 318


C A P Í T U L O   X V
Revolução — Na Indústria, Agricultura, Transporte
OS JORNAIS de 150 anos atrás não tinham seções de “O Impossível Acontece”, com suas histórias de acontecimentos incríveis. Se tivessem, a Birmingham Gazette, de 11 de março de 1776, teria sabido imediatamente onde colocar esta surpreendente notícia: “Na última sexta-feira, uma máquina a vapor construída segundo os novas princípios do Sr. Watt foi posta em funcionamento em Bloomfield Colliery... ...na presença de alguns homens de ciência cuja curiosidade fora estimulada pela possibilidade de ver os primeiros movimentos de uma máquina tão singular e poderosa... ...Com esse exemplo, as dúvidas dos inexperientes se dissipam e a importância e utilidade da invenção se firmam decididamente... ...[Foi] inventada pelo Sr. Watt, após muitos anos de estudo e grande variedade de experiências custosas e trabalhosas.”201
Em 1800 a “importância e utilidade da invenção” do Sr. Watt se havia tornado tão evidente aos ingleses que ela estava em uso em 30 minas de carvão, 22 minas de cobre, 28 fundições, 17 cervejarias e 8 usinas de algodão. 202
A invenção de máquinas para fazer o trabalho do homem era uma história antiga, muito antiga. Mas com a associação da máquina a força do vapor ocorreu uma modificação importante no método de produção. O aparecimento da máquina movida a vapor foi o nascimento do sistema fabril em grande escala. Era possível ter fábricas sem máquinas, mas não era possível ter máquinas ; vapor sem fábricas.
O sistema fabril, com sua organização eficiente em grande escala e sua divisão de trabalho, representou um aumento tremendo na produção. As mercadorias saíam das fábricas num ritmo intenso. Esse aunento da produção foi em parte provocado pelo capital, abrindo caminho na direção dos lucros. Foi, em parte, uma resposta ao aumento da procura. A abertura de mercados das terras recém-descobertas foi uma causa importante desse aumento. Houve outra. As mercadorias produzidas nas fábricas encontravam também um mercado interno simultaneamente com o mercado externo. Isso devido ao crescimento da população da própria Inglaterra.
Os historiadores costumavam discutir se o maior crescimento da população da Inglaterra, no século XVIII, foi devido a um aumento na taxa de natalidade ou a uma queda da taxa de mortalidade. Embora ambas as causas tivessem importância, acredita-se hoje que a segunda teve maior influência. Mas por que aconteceu isso? Possivelmente porque os médicos tivessem aprendido mais sobre sua profissão, o que significava, entre outras coisas, que conservavam vivas pessoas que antes teriam morrido. O registro da Maternidade de Londres mostra uma redução na mortalidade de mães e crianças quase incrível:
Proporção
de mortes              1749-1758      1799-1800
Mulheres                  1 em 42          1 em 914
Crianças                   1 em 15          1 em 115  203
Esses números contam a história. Antes de 1700, o aumento da população na Inglaterra, em cada cem anos, era de cerca de um milhão; entre 1700 e 1800, porém, esse aumento foi de três milhões!
Talvez outra causa do crescimento da população estivesse no fato de que as pe se alimentavam melhor, graças a melhoramentos surpreendentes na agricultura. (Esses melhoramentos foram, em parte, um resultado do crescimento da população.) Tal como houve uma revolução industrial, houve, também, uma revolução agrícola. 
Se dissermos “1649” a um estudante inglês ele responderá: “Morte de Carlos II.” Não pensaria em dizer: “Introdução de nabos e outras raízes alimentícias na Holanda?’ Por que haveria de pensar? Por que seriam os nabos tão importantes?
Basta olharmos a tabela do sistema de três campos, à página 14, para termos a resposta. Um terço da terra em pousio representava um desperdício tremendo. A introdução de nabos e trevos significava que o problema de recuperar o solo estava resolvido. Um sistema quádruplo de
1º ano — trigo
2º ano — nabos
3º ano — cevada
4° ano — trevo
foi um melhoramento muito necessário. Significava que o solo já não precisava “ser cansado” com a plantação sucessiva de duas roças de cereais. Significava também que o desperdício de deixar a terra em pousio era evitado.
A introdução de nabos e trevos não só limpava o solo como também resolvia o problema de proporcionar alimento de inverno ao gado. Onde antes o gado teria sido abatido e salgado para servir de alimento durante o inverno, era possível agora mantê-lo vivo.
Experiências para melhorar a qualidade das raças também foram realizadas nessa época. Seu êxito se comprova pelo quadro seguinte, mostrando o peso médio dos animais vendidos no mercado de Smithfield antes e depois do início da criação científica de animais.
Início da século XVIII       Fins do século XVIII
Bois         185 quilos                   400 quilos        
Novilhos   25 quilos                     74 quilos
Carneiros   14 quilos                     40 quilos   204
E tal como houve melhoramento nas ferramentas e máquinas usadas na indústria, assim o século XVI viu novos e melhores arados, enxadas etc., usados na agricultura.
Foi o movimento de fechamento de terras, de efeitos tão terríveis nos pobres, que possibilitou todo esse melhoramento notável na técnica, ciência e ferramentas agrícolas, em grande escala. Teria sido impossível com os velhos sistemas de campos abertos, de terras comuns a todos.
O crescimento da população tornou lucrativa a agricultura. Grandes donos de terra em busca de lucro fizeram investimentos de capital em suas fazendas, e o resultado foi uma alimentação melhor — que por sua vez levou a um aumento da população.
A revolução na indústria e agricultura foi acompanhada pela revolução nos transportes. A produção de mais mercadorias com maior velocidade, e as colheitas cada vez maiores e melhores, são inúteis a menos que possam ser levadas às pessoas que delas necessitam. As estradas eram más. Eram tão ruins que o Marques de Downshire, em meados do século XVI teve de levar consigo um grupo de trabalhadores para fazer os reparos necessários na estrada, e arrancar da lama sua carruagem para que pudesse concluir a viagem. O que era apenas aborrecido para o Marquês constituía uma impossibilidade para o fabricante ansioso de atender à procura de um mercado em desenvolvimento. Transporte barato, rápido e regular era necessário. Também para os fabricantes que desejavam aproveitar a vantagem oriunda da concentração da produção numa área especialmente adequada — por exemplo, o algodão em Lancashire.
Foi, portanto, no século XVIII que tiveram início os melhoramentos na construção de estradas, abertura de canais, etc. A estrada de macadame (John McAdam, engenheiro) que conhecemos surgiu no começo do século XIX, e a ela se seguiram a ferrovia e o navio a vapor. Enquanto isso, os leitos dos rios haviam sido aprofundados, os canais abertos. A revolução nos transportes não só possibilitou a ampliação do mercado interno em todas as direções, como também possibilitou ao mercado mundial tornar-se igual ao mercado interno.
O crescimento da população, as revoluções nos transportes, agricultura e indústria — tudo isso estava correlacionado. Agiam e reagiam mutuamente. Eram forças abrindo um mundo novo.


C A P Í T U L O   X V I
“A Semente Que SemeaIs, Outro Colhe...”
OUVI dizer num ônibus da Quinta Avenida: “Meu Deus! Mais piquetes! Já estou cansada desses grevistas andando de um lado para outro em frente de lojas e fábricas, com seus cartazes de protesto. Por que o governe não mete todos eles na cadeia?”
A senhora indignada que fez essa observação não conhecia bem a história. Pensava ter uma solução fácil para um problema simples. Mas estava totalmente errada. Sua solução fora tentada repetidas vezes, sem que se resolvesse nada. Na Inglaterra há mais de cem anos um magistrado comunicou ao Ministério do interior seus planos para esmagar uma greve: “As medidas que proposto são simplesmente prender esses homens e mandá-los ao trabalho forçado.” 205
Exatamente o que sugeria a senhora — e, no entanto, essa proposta foi feita em 1830. Com que resultados? Deixemos que a senhora responda.
O magistrado do século XIX e a senhora do século XX parecem não compreender que os trabalhadores não fazem piquetes porque gostem de andar de um lado para outro carregando cartazes, e não fazem greve porque não desejem trabalhar. As causas são mais profundas. Para descobri-las, devemos voltar à história inglesa, porque ali ocorreu primeiro a Revolução industrial.
É fato bem conhecido que as estatísticas podem provar qualquer coisa. Nunca nos proporcionaram um quadro mais falso do que o relativo ao período de infância da Revolução Industrial na Inglaterra. Toda tabela de números mostrava progressos tremendos. A produção de algodão, ferro, carvão, de qualquer mercadoria, multiplicou-se por dez. O volume e o total de vendas, os lucros dos proprietários — tudo isso subiu aos céus. Lendo tais números ficamos surpreendidos. A Inglaterra, ao que tudo indica, devia ter sido então o paraíso que os autores de canções mencionam sempre. Foi, realmente — para uns poucos.
Para muitos, podia ser qualquer coisa, menos um paraíso. Em termos de felicidade e bem-estar dos trabalhadores, aquelas estatísticas róseas diziam mentiras horríveis. Um autor mostrou isso num livro publicado em 1836: “Mais de um milhão de seres humanos estão realmente morrendo de fome, e esse número aumenta constantemente... ...É uma nova era na história que um comércio ativo e próspero seja índice não de melhoramento da situação das classes trabalhadoras, mas sim de sua pobreza e degradação: é a era a que chegou a Grã-Bretanha.” 206
Se um marciano tivesse caído naquela ocupada ilha da Inglaterra teria considerado loucos todos os habitantes da Terra. Pois teria visto de um lado a grande massa do povo trabalhando duramente, voltando à noite para os miseráveis e doentios buracos onde moravam, que não serviam nem para porcos; de outro lado, algumas pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, mas não obstante faziam as leis que governavam as massas, e viviam como reis, cada qual num palácio individual.
Havia, na realidade, duas Inglaterras. Disraeli acentuou isso em sua Sybil: “Duas nações; entre as quais não há intercâmbio nem simpatia; que ignoram os hábitos, idéias e sentimentos uma da outra, como se habitassem zonas diferentes, são alimentadas com comida diferente, têm maneiras diferentes, e não são governadas pelas mesmas leis.”
“O Senhor fala de...”, disse Egremont, hesitante.
“DOS RICOS E POBRES.” 207
Essa divisão não era nova. Mas com a chegada das máquinas e do sistema fabril, a linha divisória se tornou mais acentuada ainda. Os ricos ficaram mais ricos e os pobres, desligados dos meios de produção, mais pobres. Particularmente ruim era a situação dos artesãos, que ganhavam antes o bastante para uma vida decente e que agora, devido à competição das mercadorias feitas pela máquina, viram-se na miséria. Temos uma idéia de como era desesperada a sua situação pelo testemunho de um deles, Thomas Heath, tecelão manual:
“Pergunta: Tem filhos?
“Resposta: Não. Tinha dois, mas estão mortos, graças a Deus!
“Pergunta: Expressa satisfação pela morte de seus filhos?
“Resposta: Sim. Agradeço a Deus por isso. Estou livre do peso de sustentá-los, e eles, pobres criaturas, estão livres dos problemas desta vida mortal.”   208208
O leitor há de concordar que, para falar desse modo, o homem devia realmente estar deprimido e na miséria.
O que acontecia aos homens que, reduzidos ao estado de fome absoluta, já não podiam lutar contra a máquina, e finalmente iam buscar emprego na fábrica? Quais eram as condições de trabalho nessas primeiras fábricas?
As máquinas, que podiam ter tornado mais leve o trabalho, na realidade o fizeram pior. Eram tão eficientes que tinham de fazer sua mágica durante o maior tempo possível. Para seus donos, representavam tamanho capital que não podiam parar — tinham de trabalhar, trabalhar sempre. Além disso, o proprietário inteligente sabia que arrancar tudo da máquina, o mais depressa possível, era essencial porque, com as novas invenções, elas podiam tornar-se logo obsoletas. Por isso os dias de trabalho eram longos, de 16 horas. Quando conquistaram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, os trabalhadores consideraram tal modificação como uma bênção.
Mas os dias longos, apenas, não teriam sido tão maus. Os trabalhadores estavam acostumados a isso. Em suas casas, no sistema doméstico, trabalhavam durante muito tempo. A dificuldade maior foi adaptar-se à disciplina da fábrica. Começar numa hora determinada, para, noutra, começar novamente, manter o ritmo dos movimentos da máquina — sempre sob as ordens e a supervisão rigorosa de um capataz — isso era novo. E difícil. Os fiandeiros de uma fábrica próxima de Manchester trabalhavam 14 horas por dia numa temperatura de 26 a 29°C, sem terem permissão de mandar buscar água para beber. Estavam “sujeitos às seguintes penalidades ou multas:
Por deixar a janela aberta .........  1 s. 0 d.
Por estar sujo ............................ 1    0
Por se lavar no trabalho............. 1    0
Por consertar o tambor com gás
aceso ......................................... 2    0
Por deixar o gás aceso além do
tempo ........................................ 2    0
Por assobiar .............................. 1    0”   209
Parece fantástico, mas era verdade, e não constitui caso isolado. A maioria dos males hoje só existentes em companhias exploradoras ou em comunidades atrasadas, como por exemplo receber em bônus ou ter de comprar no armazém da companhia, ou ainda morar numa casa da companhia, era familiar aos trabalhadores no período inicial do industrialismo.
Os capitalistas achavam que podiam fazer como bem entendessem com as coisas que lhes pertenciam. Não distinguiam entre suas “mãos” e as máquinas. Não era bem assim — como as máquinas representavam um investimento, e os homens não, preocupavam-se mais com o bem-estar das primeiras.
Pagavam os menores salários possíveis. Buscavam o máximo de força de trabalho pelo mínimo necessário para pagá-las. Como mulheres e crianças podiam cuidar das máquinas e receber menos que os homens, deram lhes trabalho, enquanto o homem ficava em casa, freqüentemente sem ocupação. A princípio, os donos de fábricas compravam o trabalho das crianças pobres, nos orfanatos; mais tarde, como os salários do pai operário e da mãe operária não eram suficientes para manter a família, também as crianças que tinham casa foram obrigadas a trabalhar nas fábricas e minas. Os horrores do industrialismo se revelam melhor pelos registros do trabalho infantil naquela época.
Perante uma comissão do Parlamento em 1816, o Sr. John Moss, antigo capataz de aprendizes numa fábrica de tecidos de algodão, prestou o seguinte depoimento sobre as crianças obrigadas ao trabalho fabril:
“Eram aprendizes órfãos? — Todos aprendizes órfãos.
“E com que idade eram admitidos? — Os que. vinham de Londres tinham entre 7 e 11 anos. Os que vinham de Liverpool, tinham 8 a 15 anos.
“Até que idade eram aprendizes? — Até 21 anos.
“Qual o horário de trabalho? — De 5 da manhã até 8 da noite.
“Quinze horas diárias era um horário normal? — Sim.
“Quando as fábricas paravam para reparos ou falta de algodão, tinham as crianças, posteriormente, de trabalhar mais para recuperar o tempo parado? — Sim.
“As crianças ficavam de pé ou sentadas para trabalhar? — De pé.
“Durante todo o tempo? — Sim.
“Havia cadeiras na fábrica? — Não. Encontrei com freqüência crianças pelo chão, muito depois da hora em que deveriam estar dormindo.
“Havia acidentes nas máquinas com as crianças? — Muito freqüentemente.”   210
Em 1883 a Comissão fez novamente um relatório sobre o emprego de crianças nas fábricas. Nesse relatório, há um depoimento de Thomas Clarke, de 11 anos, ganhando 4 xelins por semana (com a ajuda do irmão) como emendador de fios. Eis parte de sua história: “Sempre nos batiam se adormecíamos... ...O capataz costumava pegar uma corda da grossura de meu polegar, dobrá-la, e dar-lhe nós... ...Eu costumava ir para a fábrica um pouco antes das 6, por vezes às 5, e trabalhar até 9 da noite. Trabalhei toda a noite, certa vez... ...Nós mesmos escolhíamos isso. Queríamos ter algum dinheiro para gastar. Havíamos trabalhando desde as 6 da manhã do dia anterior. Continuamos trabalhando até as 9 da noite seguinte... ...Estou agora na seção de cordas... ...Posso ganhar cerca de 4 xelins......Meu irmão faz o turno comigo. Ele tem 7 anos. Nada lhe dou, mas, se não fosse meu irmão, teria de dar-lhe 1 xelim por semana Levo-o comigo, às 6, e fica comigo até às 8.” 211
O trabalhador infantil não era novidade. O leitor deve lembrar-se da descrição do sistema doméstico, feita por Defoe à página 123 deste livro. Mas antes o trabalho das crianças era complemento do trabalho dos pais; agora, passara a ser a base do novo sistema. Antes, as crianças trabalhavam em casa, sob a direção dos pais, com horários e condições por estes determinados; agora, trabalhavam em fábricas, sob a direção de um supervisor cujo emprego dependia da produção que pudesse arrancar de seus pequenos corpos, com horários e condições estabelecidos pelo dono da fábrica, ansioso de lucros. Até mesmo um senhor de escravos das Índias Ocidentais poderia surpreender-se com o longo dia de trabalho das crianças. Um deles, falando a três industriais de Bradford, disse: “Sempre me considerei infeliz pelo fato de ser dono de escravos, mas nunca, nas Índias Ocidentais, pensamos ser possível haver ser humano tão cruel que exigisse de uma criança de 9 anos trabalhar 12 horas e meia por dia, e isso, como os senhores reconhecem, como hábito normal.” 212
Esse dono de escravo poderia ter feito outra comparação. Por pior que fossem as moradias dos escravos, tanto nas Índias Ocidentais como Meridionais, poderia alegar que sob muitos aspectos não eram piores do que as residências dos trabalhadores nas novas cidades fabris. Com o advento da máquina a vapor, já não era necessário às fábricas se localizarem junto às quedas d’água como antes. A indústria mudou-se para as áreas de minas de carvão, e quase que da noite para o dia lugares sem importância se tornaram cidades, e antigas vilas passaram a cidades. Em 1770 a população rural da Inglaterra era de 4O% do total; em 1841, a proporção caíra para 26%. Os números relativos ao crescimento das cidades revelam a história:
                                        1801         1841
Manchester                    35.000    353.000
Leeds                              53.000    152.000
Birmingham                   23.000    181.000
Sheffield                         46.000    111.000  213
Os nomes devem ser conhecidos dos leitores. Lugares famosos, produzindo artigos famosos. Artigos feitos por trabalhadores que viviam em moradias escuras, insalubres, superlotadas. Nassau Senior, economista de renome, passou por Manchester em 1837, e assim descreveu o que viu: “Essas cidades, pois pela extensão e número de habitantes são cidades, foram construídas sem qualquer consideração pelo que não fosse a vantagem imediata do construtor especulador... ...Num lugar encontramos toda uma rua seguindo o curso de um canal, porque dessa forma era possível conseguir porões mais profundos, sem o custo de escavações, porões destinados não ao armazenamento de mercadorias ou de lixo, mas à residência de seres humanos. Nenhuma das casas dessa rua esteve isenta do cólera. Em geral, as ruas desses subúrbios não têm pavimentação, e pelo meio corre uma vala, ou há um monturo; os fundos das casas quase se encontram, não há ventilação nem esgotos, e famílias inteiras moram num canto de porão ou numa água-furtada.”  214
Atente o leitor para a frase grifada da citação acima. O efeito dessas condições de habitação na saúde dos pobres que ali viviam é evidente. As doenças e a morte assolavam os que tinham a infelicidade de viver em ruas tão insalubres como essas. Quem nascia no outro lado da cidade era realmente de sorte, porque a média de vida era determinada pelo lugar onde se morava — segundo o relatório do Dr. P. H. Holland, que realizou uma investigação num subúrbio de Manchester, em 1844. “Quando verificamos ser a taxa de mortalidade quatro vezes maior em algumas ruas do que em outras, e duas vezes maior em grupos de ruas do que em outros, e, ainda, que era invariavelmente maior nas ruas em más condições e quase invariavelmente menor nas ruas em boas condições, não podemos deixar de concluir que multidões de nossos irmãos, centenas de vizinhos próximos, são anualmente destruídos por falta das precauções mais simples.”  215
Como se sentia a outra nação, a dos ricos, com essa mortandade de seus “vizinhos próximos”? Que atitude tinham as pessoas ricas em relação às condições predominantes nas fábricas, aos dias de 16 horas, ao trabalho infantil? A maioria nem pensava nisso, absolutamente. Quando pensavam, consolavam-se com o raciocínio de que tinha de ser assim. Não dizia a Bíblia: “os pobres, sempre os tendes convosco?” 216 Não lhes importava que a Bíblia tivesse outras coisas a dizer sobre as relações entre os homens — liam apenas o que queriam ver, e ouviam apenas o que queriam ouvir.
Algumas das coisas que hoje achamos horríveis pareciam aos ricos de então perfeitamente justas. Era mau para as crianças não irem à escola, trabalharem 14 horas por dia? Despropósito!, exclamava o Sr. G. A. Lee, dono de uma tecelagem de algodão na qual o horário das crianças era das 6 da manhã às 8 da noite. “Nada mais favorável para a moral do que o hábito, desde cedo, da subordinação, da indústria e regularidade.” 217
O Sr. Lee se preocupava com a moral dos pobres. Também o presidente da Royal Society, Sr. Giddy, que foi contra a proposta de se criarem escolas primárias para as crianças das classes trabalhadoras. Foi este o argumento do Sr. Giddy: “Dar educação às classes trabalhadoras pobres... ...seria na realidade prejudicial à sua moral e felicidade; aprenderiam a desprezar sua sorte na vida ao invés de fazer deles bons servos na agricultura e outros empregos laboriosos, a que sua posição na sociedade os destina... ...Permitir-lhes-ia ler folhetos sediciosos... ...e os tornaria insolentes para com seus superiores.” 218
Mas se formos dar crédito a outra testemunha do período, longe de desprezar sua sorte na vida, os pobres só tinham motivos para serem gratos a ela. Felizes realmente eram os que faziam parte daquela dádiva da humanidade, o sistema fabril. Pelo menos assim pensava Andrew Ure, que em 1835 escreveu: “Em minha recente viagem vi dezenas de milhares de velhos, jovens e adultos, de ambos os sexos, ganhando alimento abundante, roupas e acomodações domésticas, sem suar por um único poro, protegidos do sol do verão e da geada do inverno em apartamentos mais arejados e saudáveis que os da metrópole nos quais se reúne nossa aristocracia de bom tom... ...Edifícios magníficos, superando em número, valor, utilidade e engenhosidade de construção os gabados monumentos do despotismo asiático, egípcio e romano... ...Tal é o sistema fabril.”   219
Talvez seja conveniente observar que o Dr. Ure estava passeando pelas fábricas — e não trabalhando nelas.
Muito antes que o Dr. Ure começasse a entoar loas ao sistema fabril, um homem da Igreja dava consolo e ajuda aos pobres miseráveis. Não era um sacerdote qualquer — mas sim o próprio Arquidiácono Paley. Para os membros descontentes da classe trabalhadora que se consideravam em má situação, ao passo que os ricos viviam bem, esse ilustre clérigo teve palavras de otimismo. “Algumas das necessidades que a pobreza impõe não constituem durezas, mas prazeres. A frugalidade em si é um prazer. É um exercício de atenção e controle que produz contentamento. Este se perde em meio à abundância. Não há prazer em sacar de recursos imensos. Uma vantagem ainda maior que possuem as pessoas em situação inferior é a facilidade com que sustentam seus filhos. Tudo de que o filho de um pobre necessita está encerrado em duas palavras, ‘indústria e inocência’.”  220
E se algum dos estúpidos pobres fosse cabeçudo demais para acreditar que a pobreza fosse realmente um prazer, o arquidiácono tinha outro argumento no bolso. Os pobres invejavam aos ricos sua ociosidade. Que erro! Os ricos é que realmente estavam invejosos — porque a ociosidade só constitui um prazer depois do trabalho árduo. Eis sua argumentação: “Outra coisa que o pobre inveja no rico é sua ociosidade. Trata-se de um engano total. A ociosidade é a cessação do trabalho. Não pode, portanto, ser gozada, ou mesmo provada, exceto pelos que conhecem a fadiga. O rico vê, e não sem inveja, o prazer e a recuperação que o repouso proporciona ao pobre.”   221
O Arquidiácono Paley escreveu essas palavras confortadoras em 1793. Foi nessa época que os pobres da França estavam tentando derrubar os privilegiados. A Revolução Francesa foi um acontecimento sangrento. Os ricos, na Inglaterra não gostaram. Odiavam o pensamento de que a horrível idéia francesa de “abaixo suas cabeças” pudesse atravessar o Canal e ocorrer também aos pobres ingleses. Por isso, esse amigo dos pobres, o arquidiácono advertiu aos ingleses que pudessem ser muito “esquentados”: “A modificação, e a única modificação, a ser desejada, é o melhoramento gradual e progressivo, fruto natural da indústria bem aplicada... ...Isso pode ser esperado de um estado de ordem e tranqüilidade pública; é absolutamente impossível em qualquer outra situação... ...Ambicionar a situação ou a fortuna dos ricos, e a tal ponto de desejar tomá-las pela força, ou através do tumulto e confusão públicos, não só é mau, como insensato.”   222
Os pobres inglesa aceitaram o conselho do padre. Não “tomaram a fortuna dos ricos”. Mas com o passar do tempo, começaram a desejar aquele “melhoramento gradual e progressivo”, por ele prometido como “o fruto natural da indústria bem aplicada”. Tal melhoramento não ocorreu. Por isso lutaram para obtê-lo.
Lutaram, por exemplo por um dia de trabalho mais curto. E a eles se uniram alguns dos ricos bastante humanos para concordar que unia jornada de 14 ou 16 horas era demasiado longa. Levaram a luta para o Parlamento. Fizeram discursos a favor da limitação do dia de trabalho a 10 horas. Convenceram alguns de seus colegas a aprovar com eles uma lei nesse sentido. Descontentaram muita gente, inclusive o Dr. Ure. Este sentiu-se ofendido — por uma razão interessante: “Constituirá realmente uma surpresa para todos os espíritos desapaixonados que 93 membros da Câmara dos Comuns pudessem ser capazes de determinar que nenhuma classe de artesãos adultos trabalhe mais de 10 horas por dia — uma interferência na liberdade dos súditos, que nenhuma outra legislatura na Cristandade teria tolerado por um momento. Os industriais dc Gloucester caracterizaram, com justiça, essa proposta como digna da pior idade média.”   223
O Dr. Ure, como o Arquidiácono Paley, era amigo do trabalhador. Por isso, ele e os industriais de Gloucester se indignaram com essa proposta de interferir na liberdade que tinha o operário de trabalhar tanto quanto desejasse seu patrão. O que seria das históricas liberdades dos ingleses, se o Parlamento lhes tomasse o direito de estourar de trabalhar
Esse argumento de que a limitação das horas de trabalho interferia na liberdade natural do homem era muito importante. Foi usado repetidas vezes na América e na Inglaterra. Os industriais que o levantaram (e é bastante curioso que os trabalhadores não se importassem em ter seu direito natural, sob esse aspecto, desrespeitado) inspiraram-se no grande economista Adam Smith, o apóstolo do laissez-faire. É certo que Smith, o violento opositor das políticas restritivas do mercantilismo, se opôs decididamente a tal interferência. Os industriais podiam citar a Wealth of Nations: “A propriedade que todo homem tem de seu próprio trabalho, constituindo a base original de todas as outras propriedades, é a mais sagrada e inviolável. O patrimônio do pobre está na força e destreza de suas mãos; e impedi-lo de empregar essa força e destreza da forma que lhe parece justa sem prejudicar seu vizinho, é uma violação evidente do mais sagrado direito... ...O julgamento de sua capacidade de ser empregado deve ficar a cargo dos empregadores, cujo interesse está a isso ligado.”  224
Adam Smith escrevera isso em oposição aos regulamentos e restrições mercantilistas. Poderíamos dizer que os industriais estavam omitindo alguma coisa, ao usar essa citação, escrita em 1776, para combater outro tipo de regulamentação. Mas suponhamos que agiam com imparcialidade citando Smith. Não era imparcial, porém, esquecer o que Smith disse, quando isso não era de seu interesse. O hábito de citar o que justificasse seus atos, esquecendo o que fosse contrário a eles, era útil à classe dominante — e desastroso para a classe trabalhadora. Tal processo foi empregado durante mais de cem anos.
Que poderiam fazer os trabalhadores para melhorar sua sorte? Que teria feito o leitor? Suponhamos que tivesse ganho a vida razoavelmente fazendo meias a mão. Suponhamos que presenciasse a construção de uma fábrica, com máquinas, que dentro em pouco produzissem tantas meias, a preços tão baratos que o leitor tivesse cada vez maior dificuldade em ganhar mais ou menos sua vida, até ficar à beira da fome. Naturalmente pensaria nos dias anteriores à máquina, e o que fora então apenas um padrão de vida decente lhe pareceria luxuoso, em sua imaginação. Olharia à sua volta, e estremeceria com a pobreza que estava atravessando. Perguntaria a si mesmo a causa, como já teria feito mil vezes, chegando à mesma conclusão — a máquina. Foi a máquina que roubou o trabalho dos homens e reduziu o preço das mercadorias. A máquina — eis o inimigo.
Quando homens desesperados chegavam a essa conclusão, o passo seguinte era inevitável.
Destruir as máquinas.
Máquinas de tecer renda, de tecer meias, máquinas de fiar — todas as máquinas que pareciam a certos trabalhadores em certos lugares terem provocado a miséria e fome — foram destruídas, esmagadas ou queimadas. Os destruidores de máquinas, chamados luditas, ao lutarem contra a maquinaria sentiam que lutavam por um padrão de vida. Todo seu reprimido ódio à máquina libertou-se, ao se lançarem aos seus motins cantando canções como esta:
De pé ficaremos todos
E com firmeza juramos
Quebrar tesouras e válvulas
E pôr fogo às fábricas daninhas.  225
É fácil imaginar o resultado dessa violência. Foram destruídas propriedades, máquinas foram desmontadas pela multidão irada. Os homens que eram donos das máquinas agiram com rapidez. Recorreram à lei. E a lei não tardou em responder ao seu apelo. Em 1812 o Parlamento aprovou uma lei tornando passível de pena de morte a destruição das máquinas. Mas antes da aprovação da lei, durante os debates, um membro da Câmara dos Lordes fez seu discurso inaugural opondo-se à medida. Lembrou aos legisladores que a causa da destruição das máquinas fora a destruição dos homens: “Mas embora devamos admitir que esse mal existe em proporções alarmantes, não podemos negar que surgiu de circunstâncias provocadas pela miséria sem paralelo. A perseverança desses miseráveis em suas atitudes mostra que apenas a carência absoluta poderia ter levado um grupo de pessoas, antes honestas e industriosas, a cometer excessos tão prejudiciais a si, a suas famílias e à comunidade... ...Na ingenuidade de seus corações acreditaram que a manutenção e o bem-estar dos pobres industriosos eram questões mais importantes do que o enriquecimento de algumas pessoas por quaisquer melhoramentos nos instrumentos do comércio, que lançavam os trabalhadores no desemprego e tornavam desnecessário o seu uso...
“Chamais a esses homens de horda, desesperada, perigosa e ignorante Estaremos conscientes de nossas obrigações para com essa horda? É a horda que trabalha nossos campos, serve em nossas casas — que constitui vossa marinha e vosso exército, que vos permitiu desafiar a todo o mundo e pode também desafiar-vos, quando a negligência e a calamidade a tiverem levado ao desespero.”   226  
O nome do homem que fez esse discurso, a 27 de fevereiro de 1812, é conhecido dos leitores. Foi Lord Byron.
Destruir máquinas não era um plano bom. Mesmo que tivesse êxito, não teria resolvido os problemas dos trabalhadores. Investiam contra um objetivo errado. A máquina não era a causa de seus males — mas sim o dono dela que, embora sem a mesma ostensividade do latifundiário que fechava sua terra, mas com igual eficiência, os estava afastando dos meios de produção.
Os trabalhadores verificaram logo que a destruição das máquinas não era a solução. Tentaram outros métodos. Eis, por exemplo, a petição de um grupo humilde, que se assinavas “Tecelões Pobres”. Foi endereçada a seus empregadores em Oldham, Inglaterra, em 18l8 “Nós, os tecelões desta cidade e vizinhanças, respeitosamente pedimos vossa atenção para a difícil situação que há muito estamos vivendo, devido à extrema depressão de nossos salários, e vos pedimos que convoqueis uma reunião entre vós para ver se não pode haver uma solução para aliviar nosso sofrimento com um aumento dos salários, que bem sabeis não são suficientes nem para comprar as coisas necessárias à vida. Somos de opinião que se agísseis como um todo, isso seria possível sem afetar vossos lucros, que estamos longe de querer prejudicar.”  227
Houve outras petições. Centenas delas. Petições enviadas não aos patrões — isso foi logo abandonado como inútil — mas ao Parlamento. Muitas foram postas de lados mas outras receberam certa atenção. Já havia algumas leis que poderiam ajudar a aliviar a miséria da classe trabalhadora. Outras leis foram aprovadas, em conseqüência dessas petições, e também das investigações realizadas pelas comissões de legisladores que comprovaram, fora de dúvida, serem verídicas as afirmações dos trabalhadores sobre as miseráveis condições em que viviam.
Mas as leis nos livros são uma coisa. E as leis em ação, outra. Os trabalhadores descobriram isso. Descobriram também que a mesma lei podia ser aplicada em relação a eles de forma inteiramente diferente da que era aplicada à classe dos empregadores.
Isso ocorria por vezes quando os trabalhadores levavam suas reclamações aos tribunais, onde o magistrado que ouvia sua causa era o próprio patrão, contra quem reclamavam! Nessas circunstâncias, eram precárias as possibilidades de um julgamento imparcial.
Mas a ligação nem sempre era tão íntima. Bastava, na maioria dos casos, que o magistrado pertencesse à mesma classe dos patrões. Ou, quando isso não acontecia, que pensasse da mesma forma sobre as mesmas coisas. Os trabalhadores estavam em baixo, os patrões em cima. Os magistrados partiam do princípio de que os trabalhadores deviam ser gratos pelas poucas migalhas que lhes eram atiradas, e deviam agradecer aos patrões por essas migalhas. Nessas condições, a situação dos trabalhadores não era nada favorável nos tribunais. Em The Town Labourer, dois eminentes historiadores resumem o que estava acontecendo: “O Parlamento não concedia grande coisa aos trabalhadores, mas essas concessões, tal como eram feita; perdiam todo o valor pela recusa dos magistrados em pôr em prática a legislação prejudicial aos senhores... ...Os magistrados, em sua maioria, pareciam considerar que, se os patrões não queriam obedecer à lei, nada podiam fazer para obrigá-los a cumpri-la... ...Como não podiam convencer os patrões a obedecer à lei, mandavam para a cadeia os homens que tentavam obrigá-los a isso.”  228
O arguto observador que foi Adam Smith acreditava não ser tal fato característico de um momento particular, mas uma generalização válida para todos os países capitalistas, em todas as épocas. Os patrões, ao buscarem em seu herói a sanção de tais atos, tinham o cuidado de não se deter neste trecho da Wealth of Nations: “O governo civil, na medida em que é instituído para a segurança da propriedade, é na realidade instituído para a defesa do rico contra o pobre, ou dos que têm propriedades contra os que não têm nada.”  229  
Os trabalhadores aprenderam pela experiência essa verdade amarga. Que podiam fazer? Um remédio aparentemente óbvio surgiu. Se conquistassem o direito de voto, poderiam pressionar os legisladores a fazer um governo de e para muitos, ao invés de um governo de e para poucos. Perceberam que tinham de conquistar o direito de opinar na escolha dos legisladores. Onde a lei fosse feita pelos trabalhadores seria feita para eles. A lei criava obstáculos — era uma lei feita pelos patrões — e se os trabalhadores pudessem ajudar a fazê-la, teriam uma oportunidade. Se o governo podia proteger os fazendeiros com leis sobre a importação de trigo, e os industriais com impostos, poderia também proteger os salários e horários dos trabalhadores. Portanto, lutaram pelo direito de voto.
Estamos tão acostumados hoje, nos Estados Unidos e Inglaterra, à democracia política, que nos inclinamos a acreditar que ela sempre tenha existido. Evidente que não é assim. O direito de voto para todos os cidadãos, tanto nos Estados Unidos como na Europa, não foi concedido espontaneamente — veio em conseqüência de uma luta. Na Inglaterra, a classe trabalhadora alinhou-se atrás do movimento cartista, que reivindicava:
1.       Sufrágio universal para os homens.
2.       Pagamento aos membros eleitos da Câmara dos Comuns (o que tornaria possível aos pobres se candidatarem ao posto).
3.   Parlamentos anuais.
4.   Nenhuma restrição de propriedade para os candidatos.
5.   Sufrágio secreto, para evitar intimidações.
6.   Igualdade dos distritos eleitorais.
O movimento cartista desapareceu lentamente, mas uma após outra essas reivindicações foram conquistadas (exceto a dos parlamentos anuais). Os cartistas haviam defendido a democracia política porque a consideravam uma arma na luta por melhores condições de vida. Stephens, padre metodista, disse a seus ouvintes: “O cartismo, meus amigos, não é um movimento político que tenha por principal objetivo a conquista do voto para todos. O cartismo é uma questão de sobrevivência: a Carta significa uma boa casa, boa alimentação e bebida, prosperidade, e menores dias de trabalho.” 230
O padre Stephens era um otimista. A classe trabalhadora ganhou sua luta pela democracia política, mas as boas coisas que ele previa como resultado dessa vitória não ocorreram. Ou pelo menos ocorreram apenas em parte, e não só através do voto. Talvez que o fator mais importante na conquista de melhores condições para os trabalhadores, salários mais altos e dias menores tenha sido sua própria organização, lutando na defesa de seus próprios interesses — o sindicato.
O sindicato não era novidade. Foi uma das mais antigas formas de organização dos trabalhadores, evoluindo naturalmente das antigas associações de jornaleiros. Quando, porém, a importância do capital na indústria tornou-se tão grande, as associações de trabalhadores modificaram seu caráter, passando do tipo de corporação para o do sindicato de hoje, ou seja, um corpo de trabalhadores de um determinado ramo organizado com o objetivo de conseguir melhores condições, de defender seus interesses, de depender apenas de si mesmos.
Os sindicatos não surgiram da noite para o dia. Levou muito tempo para que o sentimento de unidade do interesse de classe surgisse, e, enquanto isso não ocorreu, uma verdadeira organização em escala nacional foi impossível. Com a Revolução Industrial o sindicalismo deu passos tremendos. Isso tinha de ocorrer, porque a Revolução Industrial trouxe consigo a concentração dos trabalhadores nas cidades, a melhoria dos transportes e comunicações, essencial a uma organização nacional, e as condições que fizeram tão necessário o movimento trabalhista. A organização da classe trabalhadora cresceu com o capitalismo, que produziu a classe, o sentimento de classe e o meio físico de cooperação e comunicação. O sindicalismo é mais forte nos países mais industrializados, onde o sistema fabril levou ao desenvolvimento de grandes cidades. Isso foi assinalado por Friedrich Engels em 1844: “Se a centralização da população estimula e desenvolve a classe dos proprietário; força também o desenvolvimento dos trabalhadores, ainda mais rapidamente. Os trabalhadores começam a se sentir como uma Classe, como um todo; começam a perceber que, embora fracos como indivíduos, formam um poder quando unidos. Sua separação da burguesia, a formação de idéias peculiares aos trabalhadores e correspondentes à sua situação na vida, são estimuladas, desperta a consciência da opressão, e eles atingem a importância social e política. As grandes cidades são o berço dos movimentos trabalhistas; nelas, os trabalhadores começam a refletir sobre sua condição, e a lutar contra ela; nelas a oposição entre proletariado e burguesia se manifestou inicial mente; delas saíram o sindicalismo, o cartismo e o socialismo.” 231
A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, espalhou-se por outros países. Em alguns, ainda está ocorrendo. E embora nem sempre siga o modelo inglês, virando de condições ou na atitude dos ricos, ou na reforma da legislação aprovada pelos órgãos do governo, não obstante num ponto todos os países repetiram a história da Inglaterra. Houve, em toda parte, uma guerra aos sindicatos.
É uma velha guerra. As associações de trabalhadores com objetivo de melhorar suas condições foram declaradas ilegais já no século XIV, e em todos os séculos seguintes houve leis contra tais agremiações. Em 1776 Adam Smith escreveu a propósito: “Os salários habituais dos trabalhadores dependem em toda parte do contrato usualmente feito entre essas duas partes, cujos interesses não são, de forma alguma, os mesmos. Os trabalhadores desejam conseguir o máximo possível, os patrões dar apenas o mínimo. Os primeiros estão dispostos a se agrupar para. elevar os salários do trabalho, os segundos também, mas com o objetivo de reduzir esses salários.
“Não é difícil, porém, prever qual das duas partes deve, em todas as ocasiões normais, ter vantagem na disputa Os patrões, sendo em menor número, podem reunir-se com muito mais facilidade; e a lei, além disso, autoriza, ou pelo menos não proíbe suas associações, ao passo que proíbe a dos trabalhadores. Não temos leis do Parlamento contra uniões para reduzir o preço do trabalho; temos, porém, muitas contra as uniões para elevá-los.”   233
O que Smith escreveu em 1776 se aplicava (e ainda se aplica) a todos os países capitalistas do mundo. Mesmo quando a lei proibia associações tanto de patrões como de empregado; seu cumprimento era imposto principalmente aos últimos. Na Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos, a lei foi dura para com os sindicatos.
Durante um quarto de século, na Inglaterra, a lei considerava ilegal que os trabalhadores se reunissem em associações para a proteção de seus interesses. Quando isso ocorria, agia rapidamente contra eles. “Nove chapeleiros de Stockport foram sentenciados a dois anos de prisão em 1816, acusados de conspiração. O juiz (Sir William Garrow), na sentença, observou: ‘Neste feliz país onde a lei coloca o menor súdito em igualdade com a maior personagem do Reino, todos são igualmente protegidos, e não pode haver necessidade de se associar. A gratidão nos devia ensinar a considerar um homem como o Sr. Jackson, que emprega de 100 a 130 pessoas, como um benfeitor da comunidade’.”  233
Para os chapeleiros que ousaram ingressar num sindicato — dois anos de prisão. Para o Sr. Jackson, que tinha a bondade de lhes dar emprego — louvor. Leiamos novamente a primeira frase do juiz. Estaria realmente dizendo aquilo a sério?
Na França, como na Inglaterra, os movimentos para elevação de salários eram considerados ilegais. Os juizes lamentavam os trabalhadores que continuavam a desrespeitar a lei. Segundo Levasseur, advertiam os operários contra as associações; estes haviam percebido que divididos eram fracos, mas unidos eram fortes, e por isso insistiam em suas atividades sindicais: “Os juízes impunham sanções, sem aplicar sempre todo o rigor da lei. ‘O tribunal’, diziam, ‘foi indulgente. Mas que isso lhes sirva de lição, e lembre-se de que, se o trabalho traz conforto e consideração, as associações apenas os levarão à prisão e à pobreza.’ Os trabalhadores... ...não aprenderam a lição. A única coisa que conservaram na lembrança foi que a greve de 1822 lhes elevara os salários para 35 cêntimos por hora, e que a greve de 1833 os elevara para 40 cêntimos; e em 1845 fizeram greve para obter um salário de 50 cêntimos.”  234
Também na Alemanha os trabalhadores aprenderam que os sindicatos lhes davam a força de que tanto precisavam para melhorar sua sorte. Em 1864 os impressores de Berlim fizeram uma petição à Câmara dos Deputados prussiana: “Convencidos de que a melhoria da condição social das classes trabalhadoras exige primeiramente a abolição das restrições impostas aos trabalhadores pelo atual código de leis, os infra-assinados jornaleiros e impressores pedem: ‘Considerando... ...que a lei econômica da oferta e da procura nem sempre assegura ao trabalhador o mínimo necessário à simples subsistência; que o trabalhador individual não está realmente em condições de elevar seus salários, e que portanto o direito de união... ...é uma exigência tanto da justiça como da razão... ...O regulamento do código industrial de 1845, que proíbe a livre associação dos trabalhadores, deve ser abolido’.”  235
A mesma história, por toda parte. Trabalhadores pedindo e lutando pelo direito de se organizarem num esforço para tornar menores as possibilidades contrárias a eles. Bastam dois itens de um relatório feito no ano de 1935 pela Federação Metodista do Serviço Social para mostrar como foi feroz nos Estados Unidos, a luta pela sindicalização: “Weirton, W. Va... ...Uma campanha de terror foi iniciada contra os membros ativos do sindicato... ...Todos os dias algum dos membros do sindicato é espancado por grupos de homens mascarados. O primeiro a receber tal tratamento foi abandonado a 20 quilômetros da cidade, onde seus atacantes o deixaram como morto... ... Até agora, mais cinco foram seriamente espancados, o último deles o presidente da Federação das Associações.
“Todas as provas mostram claramente que a luta entre os privilegiados e os não-privilegiados neste pais está degenerando rapidamente e geralmente em violência... ...Pelo menos 73 trabalhadores, meeiros e negros foram mortos em lutai econômicas e linchamentos durante o ano; nenhum empregador teve esse destino.”   236
Mas apesar de todos os esforços, legais ou ilegais, para esmagá-los, os sindicatos resistiram. Não foi fácil. Os membros dos sindicatos foram presos, os bens sindicais confiscados, os sindicatos tiveram que passar à luta subterrânea — tornaram-se “associações beneficentes”, ou “clubes sociais”. As armas dos sindicatos, como as greves e os piquetes, foram proibidas — e, mesmo assim, os sindicatos sobreviveram. São o meio mais poderoso que têm os trabalhadores para obter o que desejam — um melhor padrão de vida.
Há mais de um século um grande poeta se dirigiu “Aos Homens da Inglaterra”. Seu poema pode servir como um sumário deste capítulo sobre as condições que se seguiram à Revolução Industrial e reação dos trabalhadores a tais condições:
Homens da Inglaterra, por que arar
para os senhores que vos mantêm na miséria?
Por que tecer com esforço e cuidado
as ricas roupas que vossos tiranos vestem?
Por que alimentar, vestir e poupar
do berço até o túmulo,
esses parasitas ingratos que
exploram vosso suor — ah, que bebem vosso sangue
Por que abelhas da Inglaterra, forjar
muitas armas, cadeias e açoites
para que esses vagabundos possam desperdiçar
o produto forçado de vosso trabalho?
Tendes acaso ócio, conforto, calma,
abrigo, alimento, o bálsamo gentil do amor?
Ou o que é que comprais a tal preço
com vosso sofrimento e com vosso temor?
A semente que semeais, outro colhe
A riqueza que descobris, fica com outro,
As roupas que teceis, outro veste.
As armas que forjais, outro usa.
Semeai — mas que o tirano não colha.
Produzi riqueza — mas que o impostor não a guarde.
Tecei roupas — mas que o ocioso não as vista.
Forjai armas — que usareis em vossa defesa.  237


C A P Í T U L O   X V I I
“Leis Naturais” de Quem?
AS COISAS caem para baixo, e não para cima. O leitor sabe o que lhe aconteceria se pulasse da janela. Os físicos nos fizeram um favor de explicar isso. Newton formulou a lei da gravidade, uma de uma série de leis naturais que, segundo nos informam, descreve o universo físico. O conhecimento dessas leis naturais nos permite planejar nossas ações e atingir um objetivo desejado. Agir na ignorância delas, ou sem levá-las em conta, pode ter más conseqüências.
Do mesmo modo os economistas da época da Revolução Industrial desenvolveram uma série de leis que, diziam, eram tão válidas para o mundo social e econômico como as leis dos cientistas para o mundo físico. Formularam uma série de doutrinas que eram as “leis naturais” da Economia. Estavam convencidos de suas verificações. Não discutiam se as leis eram boas ou más. Não havia por que discutir. Suas leis eram fixas, eternas. Se os homens fossem inteligentes e agissem de acordo com os princípios que expunham, muito bem; mas se não, e agissem sem respeito às suas leis naturais, sofreriam as conseqüências.
Ora, pode ser ou não verdade que esses economistas, em sua busca da verdade, fossem sublimemente indiferentes aos resultados práticos de suas pesquisas. Mas eram homens de carne e osso, que viviam num certo lugar e numa certa época. Isso significa que os problemas por eles tratados eram os mesmos que surgiam naquele lugar e naquela época. E suas doutrinas atingiram poderosos grupos na sociedade, que conseqüentemente as aceitavam ou rejeitavam, de acordo com seus interesses, e viam a “verdade” àquela luz.

Tal como a ascensão da classe dos negociantes, após a Revolução Comercial, trouxera consigo a teoria do mercantilismo, assim como as doutrinas dos fisiocratas, acentuando a importância da terra como fonte dc riqueza, se desenvolveram na França agrícola, assim a ascensão dos industriais durante a Revolução Industrial na Inglaterra trouxe consigo teorias econômicas baseadas nas condições da época. Chamamos às teorias da Revolução Industrial de “Economia clássica”.
O leitor já está familiarizado com algumas das doutrinas de Adam Smith, considerado o fundador da escola clássica. Outros economistas destacados dessa corrente são Ricardo, Malthus, James Mill, McCulloch, Senior e John Stuart Mill. Nem todos concordam com Smith ou entre si. Mas estão de acordo sobre certos principio. gerais fundamentais.
E sinceramente de acordo com tais princípios estavam os homens de negócios da época. Por uma excelente razão: a teoria clássica se adequava admiravelmente às suas necessidades particulares. Dela podiam acolha, com grande facilidade, as leis naturais que justificassem completamente seus atos.
Os homem de negócios estavam atentos às grandes oportunidades. Estavam desejosos de lucros. Vieram então os economistas clássicos, dizendo que era isso exatamente que devia acontecer. E havia mais. Havia um conforto ainda maior para o homem de negócios empreendedor. Diziam-lhe que, ao procurar seu lucro, estava ajudando também ao Estado. Adam Smith disse isso. Eis aqui, por exemplo, um remédio perfeito para o ambicioso negociante que pudesse passar as noites em claro, às voltas com sua consciência perturbada: “Toda pessoa está continuamente empenhada em encontrar o emprego mais vantajoso para o capital de que dispõe. É sua vantagem pessoal, na realidade, e não a da sociedade, o que tem em vista. Mas o estudo de sua vantagem pessoal, naturalmente, ou melhor, necessariamente o leva a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade.”  238
Perceberam?
O bem-estar da sociedade está ligado ao do indivíduo. Dê a todos a maior liberdade, diga-lhes para ganharem o mais que puderem, apele para seu interesse pessoal, e veja, toda a sociedade melhorou. Trabalhe para si mesmo, e estará servindo ao bem geral. Que achado para os homens de negócios, ansiosos em se lançarem na corrida dos lucros cada vez maiores! Abram os sinais para o trem especial do laissez-faire!
Deveria o governo regulamentar os horários e os salários dos trabalhadores? Isso seria uma interferência na lei natural, e, portanto, inútil — diziam os economistas clássicos.
Qual, então, a função do governo? Preservar a paz, proteger a propriedade, não interferir.
A concorrência devia ser a ordem do dia. Mantinha baixos os preços e assegurava o êxito dos fortes e eficientes, livrando-se ao mesmo tempo doa fracos e ineficientes, segue-se que o monopólio — dos capitalistas para elevar os preços, ou dos sindicatos para elevar os salários — era uma violação da lei natural.
Esses amplos conceitos, como o leitor se lembrará, foram delineados por Adam Smith em resposta à regulamentação, restrição e contenção mercantilista. Escreveu seu grande livro em 1776, exatamente no início da Revolução Industrial. Os economistas clássicos, que se assenhorearam dessas doutrinas, ampliando-as e popularizando-as, escreveram que a Revolução Industrial, do ponto de vista do aumento da produção de mercadorias e ascensão ao poder da classe capitalista, estava fazendo um grande progresso. Acrescentaram outras “leis naturais” de sua autoria, que se adaptavam às condições da época.
An Essay on the Principle of Population,. de Thomas R. Malthus, foi um dos livros mais famosos do período, publicado primeiramente em 1798, em parte como resposta a um livro de William Godwin, sogro de Shelley. Godwin, em seu Enquiry Concerning Political Justice, escrito em 1793, afirmava que todos os governos eram um mal, mas que o progresso era possível e a humanidade poderia chegar à felicidade pelo uso da razão. Malthus desejava combater as perigosas crenças de Godwin; queria provar que um grande progresso no destino da humanidade era impossível — o que seria uma boa razão para que todos vivessem contentes, com o que havia, e não tentassem uma revolução como a da França.
Malthus ataca Godwin da seguinte forma: “O grade erro em que elabora o Sr.Godwin em todo o seu livro está na atribuição de quase todos os vícios e misérias existentes na sociedade civil às instituições humanas. As regulamentações políticas e a administração da propriedade existente são para ele as fontes de todo o mal, o berço de todos os crimes que degradam a humanidade. Se assim realmente fosse, não seria tarefa impossível afastar totalmente o mal do mundo; a razão parece ser o instrumento próprio e adequado para realizar tão grande objetivo. A verdade, porém, é que embora as instituições humanas pareçam ser as causas evidentes e óbvias de muitos males da humanidade, na realidade são ligeiras e superficiais, são como simples penas que flutuam na superfície, em comparação com as causas profundas de impureza que corrompem as fontes e tornam turvas as águas de toda a vida humana.”   239
Quais são essas “causas profundas” que fazem a miséria da humanidade? A resposta de Malthus é que a população aumenta mais depressa do que o alimento para mantê-la viva. O resultado — haverá uma época cm que o número de bocas será muito superior ao alimento existente para alimentá-las. “A população, quando não-controlada, aumenta numa razão geométrica. A subsistência aumenta apenas em proporção aritmética... ...Isso significa um controle forte e constante sobre a população, provocado pela dificuldade de subsistência. Essa dificuldade deve recair nalguma parte e deve necessariamente ser fortemente sentida por grande parte da humanidade...
“A população da Ilha [Inglaterra] é de cerca de sete milhões. Suponhamos ser a produção atual suficiente para sustentar esse número. Nos primeiros 25 anos, a população será de 14 milhões, e o alimento dobrando também, os meios de subsistência serão iguais a esse aumento. Nos 25 anos seguintes a população será de 28 milhões; e os meios de subsistência suficientes apenas para o sustento de 21 milhões. No período seguinte, a população será de 56 milhões, e os meios de subsistência suficientes para metade desse número. E na conclusão do primeiro século, a população seria de 120 milhões, e os meios de subsistência suficientes apenas para o sustento de 35 milhões. Isso deixaria uma população de 17 milhões totalmente sem abastecimento.”   240
Isso, diz Malthus, não acontece na realidade. Porque a morte (na forma de “epidemias, pestes e pragas e fome”) age e recolhe sua taxa de crescimento demográfico, de forma que este se harmoniza com o suprimento de alimentos. “O crescimento superior da população é contido, e a população real se mantém em nível com os meios de subsistência pela miséria e pelos vícios.”  241
Assim, a razão pela qual as classes trabalhadoras eram pobres, disse Malthus, não estava nos lucros excessivos (razão humana) mas no fato de que a população aumenta mais depressa do que a subsistência (lei natural). Nada se poderia, porém fazer para melhorar a situação dos pobres? “Nada”, disse Malthus na primeira edição de seu livro: “Ë sem dúvida um pensamento muito acabrunhador, o de que o grande obstáculo a qualquer melhoria extraordinária da sociedade seja uma natureza impossível de superar.”   242
Mas na segunda edição, publicada em 1803, ele achou uma solução. Além da miséria e do vício, um terceiro controle da população era possível — o “controle moral”. Greves, revoluções, caridade, regulamentações governamentais, nada disso poderia ajudar os pobres em sua miséria — eles é que deviam ser responsabilizados, porque se reproduziam tão rapidamente. Impeça-se que casem tão cedo. Pratiquem o “controle moral” — não tenham famílias tão grandes — e assim poderão ter esperanças de se ajudarem a si mesmos. Quem servia melhor à sociedade — a mulher que se casava e tinha muitos filhos, ou a solteirona? Malthus achava que era a segunda: “A matrona que criou uma família de 10 ou 12 filhos, que talvez estejam lutando pela pátria, pode achar que a sociedade lhe deve muito... ...Mas se a questão for imparcialmente examinada, e a matrona respeitada tiver seu peso aferido na escala da justiça, em relação à desprezada solteirona, é possível que a matrona leve a pior?” 243
Boa notícia para os ricos, a de que os pobres eram os únicos culpados de sua pobreza.
Depois de Adam Smith, o mais importante dos economistas clássicos foi David Ricardo. Era um judeu londrino que fizera grande fortuna nas ações da Bolsa. Seu livro The Principles of Political Economy and Taxation, publicado em 1817, é considerado por muitos como o primeiro a tratar a Economia como uma ciência. A Wealth of Nations de Adam Smith é leitura fácil, em comparação com o trabalho de Ricardo. Uma das razões: Smith é muito melhor como escritor. Outra, e talvez mais importante, é a objetividade de Smith, sua citação de exemplos familiares para ilustrar suas idéias. Ricardo, por outro lado, é abstrato e usa exemplos imaginários que podem, ou não, ter alguma aparência de realidade. Os livros científicos são, de modo geral, difíceis e monótonos. Ricardo não constitui exceção. Não obstante o que tinha a dizer era tremendamente importante, e ele se classifica como um dos maiores economistas do mundo.
Em nosso limitado espaço só podemos examinar algumas de suas doutrinas, e muito rapidamente. A primeira é conhecida como “a lei férrea dos salários”. O que os trabalhadores ganhavam pela sua atividade já recebera a atenção de autores antes de Ricardo. Em l766, Turgot num pequeno livro intitulado Reflexions on the Formation and Distribution of Wealth, dizia: “O trabalhador simples, que depende apenas de sua mãos e sua indústria, não tem senão a parte de seu trabalho de que pode dispor para os outros. Vende-a a um preço maior ou menor; mas esse preço alto ou baixo não depende apenas dele; resulta de um acordo que fez com a pessoa que o emprega. Esta lhe paga o menos possível, e, como pode escolher entre muitos trabalhadores, prefere o que trabalha por menos. Os trabalhadores são por isso obrigados a reduzir seu preço em concorrência uns com outros. Em toda espécie de trabalho deve acontecer, e na realidade acontece, que os salários do trabalhador se limitam apenas ao que é necessário à mera subsistência.”   244
Turgot não foi além. Ricardo desenvolveu a idéia, e por isso a lei de férias dos salários está ligada a ele. Assim, afirma que o trabalhador ganha apenas o salário necessário, para manter vivos a ele e à família. “O preço natural do trabalho... depende do preço do alimento, necessidade e conveniências necessárias à manutenção do trabalhador e sua família. Com um aumento no preço dos alimentos e das necessidades, o preço natural do trabalho se eleva. Com a queda o preço natural do trabalho cai.” 245
Mas eu e o leitor sabemos que há épocas em que os trabalhadores recebem mais do que o necessário para viver, e outras em que recebem menos. Ricardo leva isso em conta. Distingue entre o “preço do mercado” do trabalho e seu preço natural: “O preço do mercado do trabalho é o preço realmente pago por ele, resultado da operação natural da proporção entre a oferta e a procura: o trabalho é caro quando escasso, e barato quando abundante. Por mais que o preço do mercado do trabalho se possa desviar de seu preço natural, ele tem, como as mercadorias, a tendência de se conformar a ele.”  246
Para mostrar a exatidão dessa última frase, de que o preço do mercado tende a se conformar ao preço natural, Ricardo toma emprestada uma folha do Livro de Malthus. Diz que quando o preço do mercado é alto, quando os trabalhadores recebem mais do que o bastante para a manutenção de suas famílias, então a tendência é aumentar o tamanho dessas famílias. E o aumento do número de trabalhadores reduzirá os salários. Quando o preço do mercado é baixo, quando os trabalhadores recebem menos do necessário para manter as famílias, então seu número se reduz. E um número menor de trabalhadores eleva os salários.
Essa, pois, a lei de salários de Ricardo — com o tempo, os trabalhadores não poderão receber mais que o “necessário para lhes permitir... ...viver e perpetuar a raça, sem aumentar nem diminuir.”  247
Para melhor compreensão da lei da renda, a mais famosa das doutrinas de Ricardo, devemos examinar a controvérsia sobre as Leis do Trigo, que varria a Inglaterra na época em que apareceram os Principles de Ricardo. Os antagonistas da disputa eram os donos de terras e os industriais.
As Leis do Trigo eram uma espécie de tarifa protetora do trigo. O trigo não poderia ser importado enquanto o preço do produto não atingisse, internamente, determinado nível, que variava de tempos em tempos.
A finalidade disso era estimular seu cultivo, para que a Inglaterra tivesse bastante sortimento dele, em caso de emergência. O cultivo foi estimulado assegurando. ao agricultor inglês um bom preço. Não precisava temer a concorrência externa, porque nenhum trigo entraria no país até que o produto interno tivesse atingido certo preço. Isso significava bons lucros, a menos que a colheita interna fosse excessiva para o consumo — o que não ocorria na Inglaterra desde 1790.
Devido às guerras napoleônicas, o trigo teve seu preço elevado e uma área de terras cada vez maior foi dedicada ao seu plantio. Os agricultores queriam o preço alto, porque isso representava maior renda, e mais dinheiro no bolso. Os industriais não queriam o preço alto, porque isso representava um aumento no custo da subsistência dos trabalhadores, e, portanto, descontentamento, greves, e finalmente salários mais altos, ou seja, menos dinheiro em seu bolso. Travou-se uma polêmica, os donos de terra pedindo proteção e os industriais defendendo o comércio livre.
Ricardo estava no meio dessa luta. Suas simpatias eram dos industriais, pois pertencia à classe da nascente burguesia. Não é de surpreender, portanto, que entre outras coisas, as leis naturais por ele descobertas expliquem a natureza da renda, mostrem que “todas as classes, portanto, com exceção dos donos de terras, serão prejudicadas pelo aumento do preço do trigo”.   248
Como chegou a essa conclusão? Provando que quanto mais alto o preço do trigo, tanto mais altas as rendas. Aumentam estas, argumenta Ricardo, porque o solo é limitado e sua fertilidade difere. “Se toda a terra tivesse as mesmas propriedades, se fosse ilimitada em quantidade e uniforme em qualidade, não seria possível cobrar pelo seu uso... ...portanto, somente porque a terra não é de quantidade ilimitada nem de qualidade uniforme e porque, devido ao aumento da população, terra de qualidade inferior... ...é posta em cultivo, que se paga renda pela sua utilização. Quando, na evolução da sociedade, terras de segundo grau de fertilidade são postas em cultivo, a renda imediatamente começa a ser cobrada pela terra de primeira qualidade, e o total dessa renda dependerá da diferença de qualidade nessas duas partes da terra.
“Quando a terra de terceira qualidade é posta em cultivo, a renda imediatamente começa na segunda, e é determinada, como antes, pela diferença em sua capacidade produtiva Com os aumentos da população, que obrigarão o país a recorrer a terras de pior qualidade para que consiga o volume de alimentos de que necessita, a renda sobre a terra mais fértil começará a ser co brada.”   249
Segundo Ricardo, as Leis do Trigo, elevando o preço do produto, fizeram os agricultores procurar terras mais pobres para seu plantio. Quando isso ocorreu, pagaram-se arrendamentos pelas terras mais férteis. Com o passar do. tempo, o solo mais pobre foi sendo cada vez mais cultivado e os arrendamentos subiram. Tal renda ia para os donos da terra não porque trabalhassem. Nada faziam — e mesmo assim a renda subia. “O interesse do dono de terra está sempre em oposição ao do consumidor e do fabricante. O trigo só pode desfrutar permanentemente um preço alto porque um trabalho adicional é necessário para produzi-lo, porque seu custo de produção aumenta. O mesmo custo invariavelmente aumenta a renda; é portanto do interesse do dono da terra que o custo da produção do trigo aumente. Isso, porém, não interessa ao consumidor; para ele é desejável que o trigo seja barato em relação ao dinheiro e às mercadorias, pois é sempre com mercadorias ou dinheiro que o trigo é comprado. Nem é do interesse do fabricante que o trigo tenha preço alto, pois o alto preço provocará aumento de salários, mas não aumentará o preço de suas mercadorias.”   250
Esse último ponto é que era o problema, naturalmente. Enquanto os trabalhadores fossem obrigados a um salário de subsistência, segundo a lei mesma de salários de Ricardo, não lhes importava que o preço do trigo fosse alto ou baixo — seus salários subiam quando o trigo subia, caíam quando trigo caía. Mas importava aos industriais que não podiam vender suas mercadorias por mais apenas por ser mais caro o trigo, e com isso se elevarem os salários. Ricardo continua, comparando os serviços prestados pelos industriais e pelos donos de terra, constatando a inutilidade destes: “Os negócios entre o dono de terra e o público não são iguais às relações do comércio, pelas quais tanto vendedor como comprador têm de ganhar, pois no caso deles a perda recai totalmente sobre uma das partes, e o lucro totalmente sobre a outra.”   251
Os industriais acrescentaram as leis naturais de Ricardo a suas armas contra a proteção. Queriam a abolição das Leis do Trigo e o comércio livre. O Parlamento, porém, era controlado pelos donos de terra, e por isso aquelas leis duraram muito, até 1846. Enquanto isso, alguns donos de terra, que não viam qualquer vantagem para o país em ter trigo barato, começaram a se preocupar com a condições de trabalho e os horários das fábricas. Humanitários, que gritavam pela correção dos males do industrialismo, viram-se ajudados pelos poderosos latifundiários, que desejavam vingar-se dos industriais — sua hostilidade às Leis do Trigo. Nomearam-se Comissões Parlamentares para examinar a condições fabris e apresentar relatórios. Houve tentativas de aprovar leis, reduzindo as horas de trabalho. A oposição por parte dos industriais foi, naturalmente, tremenda, pois previam a ruína se seus trabalhadores não continuassem presos às máquinas, tal como antes. Mas os esforços conjuntos dos trabalhadores, humanitaristas e donos de terra tiveram êxito, e Leis Fabris, limitando as horas e regulando as condições, foram aprovadas. E a agitação em prol de mais restrições e regulamentos continuou.
Um dos economistas clássicos, Nassau Senior, elaborou uma doutrina provando que as horas não podiam ser mais reduzidas, porque o lucro obtido pelo empregador vinha da última hora de trabalho — tirada esta, estaria eliminado o lucro, e destruída toda a indústria. “Sob a lei atual, nenhuma fábrica que emprega pessoas com menos de 18 anos pode trabalhar mais do que 12 horas por 5 dias na semana, e 9 aos sábados. Ora, a análise seguinte mostrará que numa fábrica sob tal regime o lucro liquido é obtido da última hora.  252
A análise de Senior baseava-se num exemplo puramente imaginário, no qual a aritmética estava certa, mas as conclusões erradas. Isso se provou sempre que uma fábrica reduzia suas horas de trabalho — e continuava em funcionamento.
Muito mais prejudicial aos trabalhadores do que a última hora de Senior foi a doutrina do fundo de salário. Foi mais prejudicial porque foi adotada e ensinada pela maioria dos economistas. O principio da última hora foi empregado para combater a agitação em favor do menor dia de trabalho; a doutrina do fundo de salário foi usada para combater a agitação em favor de salários mais altos.
Os trabalhadora formavam sindicatos e faziam greve porque desejavam um aumento de salários. “Pura tolice”, diziam os economistas. Por quê? Porque havia um certo fundo posto de lado para pagamento de salários. E havia um certo número de assalariados. O total que os trabalhadores ganhavam em salários era determinado por esses dois fatores. Era isso. E os sindicatos nada podiam fazer.
John Stuart Mill assim explicou a coisa: Os salários não dependem apenas do total relativo de capital e população, mas não podem, no regime de concorrência, ser afetados por mais nada. Os salários... ...não podem elevar-se, a não ser pelo aumento dos fundos conjuntos empregados na admissão de trabalhadores, ou na diminuição do número de concorrentes à admissão, nem podem cair, exceto pela diminuição do fundo de pagamento do trabalho, ou pelo aumento do número de trabalhadores a serem pagos.”   253
Muito simples. Nenhuma esperança para trabalhadores, a menos que o fundo de salário aumentasse ou o número de trabalhadores diminuísse. Se qualquer dos trabalhadores fosse teimoso e insistisse em que salários mais altos eram necessários para que se pudessem manter vivos, podiam dar-lhe uma lição de Matemática elementar: “É inútil argumentar contra qualquer uma das quatro regras fundamentais da Aritmética. A questão dos salários é uma questão de divisão. Reclama-se que o quociente é muito pequeno. Bem, então, quais são as formas de torná-lo maior? Duas. Aumente-se o dividendo, permanecendo o divisor o mesmo, e o quociente será maior; reduza-se o divisor, permanecendo o dividendo o mesmo, e o quociente será maior.”   254
A ilustração dessa lição de Aritmética poderia ser mais ou menos assim:



salários para   
os trabalhadores
     $$$                                                                              




Como aumentar salários? Como aumentar o quociente
PRIMEIRO MODO: AUMENTAR O DIVIDENDO
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SEGUNDO MODO: DIMINUIR O DIVISOR
$$$$$$




FIGURA 2

Tudo muito simples. Duas formas de conseguir maiores salários. A segunda forma “reduza o divisor” — isto é, decresça o número de trabalhadores — era um velho conselho. Malthus lhe dera o nome de “restrição moral”.
A primeira forma, “aumente o dividendo”, isto é, aumente o volume do fundo de salários, poderia ser realizada, segundo Senior, “permitindo que todos se empenhassem da forma que,  pela experiência, lhes parecesse mais benéfica: libertando a indústria da massa de restrições, proibições e tarifas protetoras com as quais a Legislatura por vezes, numa ignorância bem intencionada, por vezes com pena, e por vezes graças a um ciúme nacional, tem procurado esmagar ou dirigir mal seus esforços”. 255 Deixem os negócios em paz e o resultado será mais dinheiro no fundo reservado aos salários. Os homens de negócios concordavam.
A teoria do fundo de salários era a resposta pronta dos industriais e economistas às reclamações dos trabalhadores e sindicatos. Os trabalhadores não se importavam com ela, porque sabiam-na falsa. Sabiam que a ação dos sindicatos lhes conquistava melhores salários. Simplesmente não acreditavam haver um fundo fixo reservado antecipadamente ao pagamento de salários. O que haviam aprendido na prática foi confirmado na teoria por Francis Walker, economista norte-americano que escreveu em 1876. Walker destruiu a teoria do fundo de salários com este argumento: “Uma teoria popular de salários... ...baseia-se na suposição de que os salários são pagos com o capital, com os resultados obtidos pela indústria no passado. Portanto, argumenta-se, o capital deve constituir a medida dos salários. Pelo contrário, sustento que os salários são pagos com o produto da atual indústria, e portanto que a produção constitui a verdadeira medida dos salários... ...Um empregador paga salários para comprar trabalho, não para gastar um fundo que passa ter......O empregador compra o trabalho com o objetivo de ter o produto desse trabalho; e o tipo e o total do produto determinam quais os salários que pode pagar... ...É, portanto, para a produção futura que os trabalhadores são empregados, e não porque o empregador esteja de posse de um fundo que deve gastar. E é o valor do produto que determina o total de salários que pode ser pago, e não o total de riqueza que o empregador tenha ou possa comandar. É, portanto, a produção, e não o capital, que fornece o motivo do emprego e a medida dos salários.” 256
Prova excelente, a favor da exatidão do argumento de Walker, de que os salários não são um adiantamento pago ao trabalhador pelo capital, é proporcionada pela prática comum hoje na industria têxtil do Japão e Índia, onde os salários são “retidos”. No Japão, “os salários ganhos pelas moças que trabalham na indústria da seda ou na pequena indústria do algodão são habitualmente pagos diretamente a seu país... ...Esses salários podem ser pagos semestralmente, ou, no caso da indústria da seda, no fim de um ano de trabalho, [e na Índia] os salários são pagos com um mês ou seis semanas de atraso... ...As fábricas chegam a cobrar 9% de juros no caso de fazerem pequenos adiantamentos sobre o próximo pagamento, e isso de salários já ganhos”.  257
Mas não foi necessário aguardar a prova, dada no século XX, da falsidade da teoria do fundo salarial. A classe trabalhadora a denunciou desde o começo como contrária à sua experiência. Walker deu em 1876 numerosos exemplos da vida norte-americana para provar que não havia nenhuma exatidão na teoria E sete anos ates que lançasse a última pá de terra no caixão do fundo salarial, até mesmo os economistas admitiam que essa lei natural não era absolutamente uma lei. John Stuart Mill fora o homem cujo Principles of Political Ecenomy, publicado em 1848, muito contribuíra para popularizar a doutrina. Ao comentar um livro para a Fortnightly Review, em maio de 1869, publicou sua retratação: “A doutrina até agora ensinada por todos, ou pela maioria dos economistas (inclusive eu próprio), negando a possibilidade de que as combinações comerciais pudessem elevar os salários, ou que limitassem suas operações a esse respeito à obtenção, um tanto anterior, de um aumento que a concorrência do mercado teria produzido sem elas — essa doutrina é destituída de base científica, e deve ser posta de lado.”  258
Foi um ato de coragem de J. S. Mill. Cometera um erro e o confessava honestamente. Mas para os trabalhadores, era tarde demais — essa denúncia de uma doutrina que os perseguira por mais de meio século. De pouco lhes servia uma ciência que proporcionava ao inimigo todo um arsenal, sempre que os trabalhadores procuravam conseguir algum progresso; de pouco lhes servia uma ciência que praticamente não lhes oferecia esperança de melhorar de vida; de pouco lhes servia uma ciência que a todo momento servia aos interesses da classe patronal.
Um dos mais destacados adeptos da escola clássica, o Professor J. E. Cairnes, admitia que os trabalhadores têm razão de desconfiar da Ciência da Economia. Em seu Essay in Political Economy, publicado em l873, Cairnes assinalava que a Economia se tinha tornado uma arma da classe burguesa: “A Economia Política surge muito freqüentemente, em especial quando aborda as classes trabalhadoras, com a aparência de um código dogmático de regras rígidas, como um sistema de promulgar decretos ‘sancionando’ uma disposição social, ‘condenando’ outra, exigindo dos homens não exame, mas obediência. Quando examinamos a espécie de decretos que são ordinariamente dados ao mundo em nome da Economia Política — decretos que julgo poder dizer constituem apenas uma ratificação da forma de sociedade existente como se fosse mais ou menos perfeita — poderemos então compreender a repugnância, e mesmo a oposição violenta, manifestada em relação a ele pelas pessoas que têm razões próprias para não participar daquela admiração ilimitada pela atual organização industrial, experimentada por alguns expoentes populares das chamadas leis econômicas. Quando se diz a um trabalhador que a Economia Política ‘condena’ as greves, olha com desconfiança as propostas de limitação do dia de trabalho, mas ‘prova’ a acumulação de capital, e ‘sanciona’ a taxa de salários do mercado, não parece uma resposta imprevista que ‘como a Economia Política é contra o trabalhador, compete a este ser contra a Economia Política’. Não parece absurdo que esse novo código venha a ser considerado com desconfiança, como sistema possivelmente concebido no interesse dos empregadores, e que é dever dos trabalhadores esclarecidos simplesmente repudiar e negar.”  259
Era verdade ser a Economia Política contra o trabalhador. Era também verdade ser ela a favor do homem de negócios — particularmente o da Inglaterra. Os ensinamentos dos economistas clássicos difundiram-se pela França e Alemanha, e no primeiro quartel do século XIX os livros famosos de Economia publicados nesses países foram, em sua grande parte, traduções ou exposições dos trabalhos dos economistas clássicos ingleses. Mas tornou-se aos poucos evidente aos pensadores de ambos os países que a doutrina clássica não era apenas a doutrina do homem de negócios, mas sob certos aspectos era peculiarmente uma doutrina do homem de negócios da Inglaterra. Não que os economistas clássicos estivessem conscientemente dispostos a ajudar o homem de negócios inglês. Isso não seria necessário. Pelo fato de viverem na Inglaterra numa época determinada, suas doutrinas tinham de refletir o meio. Isso ocorreu, e os economistas e homens de negócios de outros países logo o descobriram.
Tomemos, por exemplo, o comércio livre. Adam Smith o defendera, e Ricardo e outros que o seguiram, também. Eram partidários de um comércio mundial livre; não só as barreiras internas deviam ser eliminadas, mas também as barreiras entre países. Ricardo defende muito simplesmente o intercâmbio internacional livre: “Num sistema de comércio perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e trabalho aos empreendimentos que lhe são mais benéficos. Essa busca de vantagem individual está admiravelmente ligada ao bem universal do todo. Estimulando a indústria, recompensando a engenhosidade, e usando da forma mais eficaz os poderes atribuídos pela natureza, ela distribui o trabalho com mais eficiência e mais economicamente: ao mesmo tempo, aumentando a massa geral de produção, difunde o bem geral e une, pelo laço do interesse comum e do intercâmbio, a sociedade universal das nações por todo o mundo civilizado. É esse princípio que determina ser o vinho feito na França e Portugal, que o trigo seja cultivado na América e Polônia, e que as mercadorias de ferro e outras sejam manufaturadas na Inglaterra.”   260
Ricardo pode, nesse trecho, estar certo ou não quanto ao valor de troca livre e internacional de mercadorias. Mas não há dúvida de que estava absolutamente certo para a Inglaterra na época em que escreveu. A Revolução Industrial ocorreu ali primeiro; os industriais ingleses começaram antes dos industriais do resto do mundo, estando à frente deles em métodos, em máquinas, em facilidades de transporte. Os ingleses podiam e estavam prontos a cobrir a terra com os produtos de suas fábricas. Portanto, o comércio internacional livre lhes servia.
Por essa razão mesma não servia aos homens de negócios de outros países. Alexander Hamilton, na América, instituiu um sistema de tarifas protetoras na administração de Washington. Outros países também tinham barreiras tarifárias, mas sob a influência da Economia inglesa clássica, estavam começando a namorar as idéias do comércio livre.
Em 1841, no momento em que os louvores ingleses às virtudes superlativas do comércio internacional livre se estavam tornando populares em outros países, Friedrich List publicou seu Sistema Nacional de Economia Política, atacando-o. List era alemão, e na Alemanha da época a indústria era ainda jovem e subdesenvolvida. Passara alguns anos nos Estados Unidos, onde verificara ocorrer o mesmo na indústria americana. Viu que, se o comércio internacional livre fosse estabelecido, seria necessário às indústrias dos dois países, atrasadas em relação à Inglaterra, um longo tempo para alcançá-la — se conseguissem. Disse ser a favor do comércio livre, mas somente depois que as nações menos avançadas igualassem as mais adiantadas. “Qualquer nação que, devido a infelicidades, esteja atrás das outras na indústria, comércio e navegação, embora possua os meios mentais e materiais para desenvolver-se, deve acima de tudo fortalecer sua capacidade individual, a fim de poder entrar na concorrência livre com nações mais adiantadas.”    261
Disse que os preços baratos não eram tudo, e que coisas baratas podiam custar caro. O que tornava grande um país não era seu estoque de valores em determinado momento, mas sua capacidade de produzir valores. “As causas da riqueza são totalmente diferentes da riqueza em si. Uma pessoa pode ter riqueza... ...se, porém, não tem o poder de produzir objetos de valor superior aos que consome, torna-se mais pobre... ...O poder de produzir riqueza é, portanto, infinitamente mais importante do que a riqueza em si... ...Isso é mais válido para as nações do que para as pessoas particulares.”    262
List sugere que a Inglaterra, tendo atingido a grandeza antes que o comércio livre se tornasse seu lema, tentava agora tornar impossível às outras nações progredir: “É um recurso muito comum e muito esperto que ao se atingir o cume da grandeza se lance fora a escada pela qual subimos, a fim de impedir aos outros os meios de subir atrás.”    263
List, portanto, defende a proteção, as muralhas tarifárias, atrás das quais a indústria incipiente, tendo assegurado o mercado doméstico, pode crescer até ficar de pé sozinha. Somente depois que reunisse forças suficientes, ela poderia aventurar-se no comércio mundial livre, para lutar. List foi um expressivo expoente do sistema nacional, em oposição ao sistema internacional, em economia. Suas idéias tiveram grade influência, particularmente na Alemanha e Estados Unidos.
Ele foi, com sua forte defesa da Proteção contra o Comércio Livre de Adam Smith e seus seguidores um dos numerosos descrentes da infalibilidade da escola clássica. A Economia clássica, tão popular e poderosa na primeira metade do século XIX, começou a perder um pouco de sua força na segunda metade. Naquela época, começaram a surgir os trabalhos de um homem que, embora aceitando alguns dos princípios expostos pelos clássicos, levou-os através de caminhos diversos até uma conclusão muito diversa. Também ele era alemão. Seu nome: Karl Marx.



C A P Í T U L O   X V I I I
“Trabalhadores de Todos os Países, Uni-vos”
“SE EU tivesse um milhão de dólares!” Quantas vezes já brincamos com essa deliciosa idéia. Ela nos ocorre cada vez que os jornais publicam retratos dos felizes ganhadores dos sweepstakes. De forma semelhante, sempre houve quem passasse uma boa parte de seu tempo especulando sobre sociedades melhores do que aquelas em que viveram. Freqüentemente, tais especulações não vão além do sonho; ocasionalmente, porém, os sonhadores realmente se entusiasmam, trabalham muito em suas idéias e concluem suas utopias — visões da sociedade ideal do futuro.
Na verdade, a tarefa não era difícil. Quase que todas as pessoas de imaginação a poderiam ter executado. Bastava olhar à volta e saberíamos o que devemos evitar. Há pobres por toda parte — na Utopia elimina-se a pobreza; há desperdício na produção e distribuição de mercadorias — na Utopia, formula-se um método de produção e distribuição 100% eficiente. Há injustiça por toda parte — na Utopia, estabelecem-se tribunais honestos, presididos por juizes honestos (ou organizam-se as coisas de tal modo que tribunais e juízes sejam totalmente desnecessários). Há miséria, doença, infelicidade — na Utopia, há saúde, riqueza e felicidade para todos.
Talvez o princípio básico mais importante para todos os sonhadores de utopias fosse a abolição do capitalismo. No sistema capitalista viam apenas males. Era desperdiçado, injusto, sem plano. Desejavam uma sociedade planificada, que fosse eficiente e justa. No capitalismo, os poucos que não trabalhavam viviam com conforto e luxo, graças à propriedade dos meios de produção. Os utopistas viam na propriedade comum desses meios a forma de viverem todos bem. Por isso, em suas sociedades visionárias, planejavam que os muitos que executariam o trabalho viveriam com conforto e luxo, graças à propriedade dos meios de produção. Isso era o socialismo — e era o sonho dos utópicos.
Surgiu então Karl Marx.
Também ele era socialista. Também ele desejava melhorar as condições da classe trabalhadora. Também ele desejava uma sociedade planificada. Também ele desejava que os meios de produção fossem de propriedade de todo o povo. Mas — e isso é muito importante — não planejou nenhuma utopia. Praticamente nada escreveu sobre a sociedade do futuro. Estava tremendamente interessado na sociedade do passado, em como evoluiu, desenvolveu-se e decaiu, até se tornar a sociedade do presente. Estava tremendamente interessado na sociedade do presente porque desejava descobrir as forças que nela provocariam a modificação para a sociedade do futuro. Mas não gastou seu tempo nem se preocupou com as instituições econômicas do Amanhã. Passou quase todo o seu tempo estudando as instituições econômicas de Hoje. Desejava saber o que movimentava as rodas da sociedade capitalista onde vivia. O nome de seu maior trabalho foi O Capital — Análise Crítica da Produção Capitalista.
Por meio dessa análise da sociedade capitalista chegou à conclusão de que o socialismo viria — não sonhou seu advento, tal como fizeram os utópicos. Marx julgou que o socialismo viria como resultado de forças definidas que operavam na sociedade, sendo necessária uma classe trabalhadora revolucionária organizada para provocá-lo. Tal como a Economia clássica pode ser considerada a Economia do homem de negócios, porque nela ele encontrava ajuda e conforto, a Economia de Marx pode ser chamada de Economia do trabalhador, porque nela o trabalhador verificava seu importante lugar no esquema das coisas, e encontrava também esperanças no futuro.
O ponto fundamental da doutrina econômica de Marx é que o capitalismo se baseia na exploração do trabalho.
Era fácil ver que nos dias da escravidão o trabalhador — isto é, o escravo — fazia um péssimo negócio. Todos concordavam com isso. Os mais delicados podiam mesmo exclamar com raiva: “É chocante! Está absolutamente errado que um homem trabalhe para outro! É uma boa coisa que a escravidão tenha sido abolida.”
Igualmente era fácil ver que no período feudal o trabalhador — isto é, o servo — fazia mau negócio. Não há dúvida quanto a isso. Era evidente que ele, como o escravo, tinha de trabalhar para outro homem — seu senhor. Trabalhava, digamos, quatro dias na semana na sua terra, os outros dois dias na terra do senhor. Em ambos os casos, a exploração do trabalhador era evidente.
Mas não era fácil ver que na sociedade capitalista o trabalhador continuava a fazer um mau negócio. Presumidamente o operário é um agente livre. Ao contrário do escravo ou do servo, ele não tem de trabalhar para seu dono ou senhor. Presumida mente, ele pode trabalhar ou não, como queira. E tendo escolhido o patrão para o qual deseja trabalhar, o operário recebe pagamento pelo seu trabalho, no fim da semana. Certamente, isso era diferente —— não era isso exploração do trabalho?
Marx discordava. Dizia estar o trabalhador na sociedade capitalista sendo explorado, tal como fora na sociedade escravocrata e na feudal. Marx dizia que, a exploração na sociedade capitalista era oculta, mascarada. Arrancou-lhe a máscara com a teoria da mais-valia.
Nessa teoria, tomou de Ricardo a teoria do trabalho defendida em graus variados, pela maioria dos clássicos, desde Adam Smith até John Stuart Mil Segundo essa doutrina, o valor das mercadorias depende do total de trabalho necessário para produzi-la. Marx cita um economista famoso, Benjamin Franklin, como partidário dessa teoria trabalhista do valor. Escreveu Marx: “O celebrado Franklin, um dos primeiras economistas depois de William Petty, que viu a natureza dos valores, diz: ‘Sendo o comércio em geral apenas a troca do trabalho pelo trabalho, o valor de todas as coisas é exatamente medido pelo trabalho’.”   264
Marx faz uma distinção entre os bens em geral e as mercadorias. A produção de mercadoria é típica da sociedade capitalista. “A riqueza das sociedades nas quais predomina a forma capitalista de produção se apresenta como ‘uma imensa acumulação de mercadorias’, tendo por unidade a mercadoria isolada. Nossa investigação deve, portanto, começar com a análise de uma mercadoria.”  265
Um bem se transforma em mercadoria ao ser produzido não para o consumo direto, mas para a troca. Um paletó feito para uso próprio não é uma mercadoria. Um paletó feito para ser vendido a alguém — para ser trocado por dinheiro ou por outro artigo — é uma mercadoria. “Quem satisfaz diretamente suas necessidades com o produto de seu próprio trabalho cria, na verdade, valores de uso, mas não mercadorias. A fim de produzi-las, deve produzir não apenas valores de uso, mas valores de uso para outros, valores de uso sociais.” 266 O homem que faz um paletó, não para usar, mas para trocar, para vender, produziu uma mercadoria.
A questão importante, a seguir, é o preço pelo qual a trocará. O que determina o valor dessa mercadoria? Compare-se esse paletó com outra mercadoria — um par de sapatos. Como artigos, como meios de satisfazer as necessidades humanas, não parece haver muito em comum entre eles. Nem entre eles e outras mercadorias — pão, lápis, salsicha etc. Mas estas só podem ser trocadas entre si por terem algo em comum, e o que têm em.comum, diz Marx, é serem produtos do trabalho. Todas as mercadorias são produtos do trabalho. O valor, portanto, ou a taxa a que uma mercadoria é trocada, é determinado pelo total de trabalho nela encerrado. E esse total é medido pela extensão de sua duração, isto é, tempo de trabalho. “Vemos, então, que o valor de qualquer artigo é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário, ou tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção... ...O valor de uma mercadoria está em proporção ao valor de qualquer outra, na medida do tempo de trabalho necessário à produção de uma e à produção de outra?”  287
Se, portanto, foram necessárias 16 horas para produzir o paletó, ao passo que o par de sapatos exigiu 8 horas, o primeiro terá o dobro do valor, e um paletó será trocado por dois pares de sapatos. Marx compreendia que os dois tipos de trabalhos nos dois casos não eram exatamente os mesmos — o paletó encerrava o trabalho do fiandeiro, do tecelão, do alfaiate etc., ao passo que outros tipos de trabalho iam para o sapato. Mas, diz Marx, todo trabalho é o mesmo, e, portanto, comparável, no sentido de que todo ele é gasto de força de trabalho humana. O trabalho simples, não-especializado, médio, e o trabalho especializado, são comparáveis, sendo o segundo apenas um múltiplo do primeiro, de modo que uma hora de trabalho especializado = duas horas de trabalho simples.
Assim, o valor de uma mercadoria é determinado, diz Marx, pelo tempo de trabalho social necessário para produzi-la. “Mas — retrucará o leitor — isso significa que a mercadoria produzida por um trabalhador lento, ineficiente, valeria mais do que a mercadoria produzida por um trabalhador mais capaz, mais rápido, já que o primeiro levaria mais tempo para completá-la.” Marx previu essa objeção e respondeu-a assim: ‘Poderia parecer que se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho empregado em sua produção, o trabalhador mais lento, ou menos destro, produziria mercadoria mais valiosa, devido ao tempo maior que necessitaria para terminar sua produção. Isso, porém, seria um erro triste. Utilizei a palavra ‘trabalho social’ e muitos aspectos estão encerrados nessa qualificação de social. Ao dizer que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho nela cristalizado, significamos a quantidade de trabalho necessário à sua produção num determinado estado da sociedade, sob certas condições sociais médias de produção, com uma determinada intensidade social média, e uma habilidade média do trabalhador empregado.” 268
Numa fábrica que empregue, digamos, 200 trabalhadores, alguns trabalharão melhor do que outros. Mas há uma qualidade média do trabalho. Os que trabalham acima dessa média têm sua produção compensada pelos que trabalham abaixo dela. Suponhamos que a média do tempo de trabalho, ou o tempo de trabalho socialmente necessário, para fazer um paletó corresponda a 16 horas. Alguns trabalhadores precisam de menos tempo, outros de mais, mas isso constitui apenas um desvio reduzido do padrão geral. O mesmo ocorre com os meios de produção, as máquinas, que o trabalho usa na produção de artigos. Na indústria têxtil como um todo, algumas fábricas podem trabalhar com teares obsoletos. Outras podem operar modelos recentíssimos, ainda não adotados por todos. Mas novamente aqui teremos um nível médio de equipamento — os melhores e os piores se compensam, e portanto o tempo de trabalho socialmente necessário significa o trabalho médio usando instrumentos médios. Isso se modifica, naturalmente, em diferentes lugares e épocas, mas num determinado momento, num determinado país, há um padrão geral médio a que se conformam o trabalho e os meios de produção.
E daí? Suponhamos que o valor de uma mercadoria seja determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. O que tem isso a ver com a prova de que na sociedade capitalista o trabalho é explorado, que as classes abastadas vivem com o trabalho da classe que não tem propriedades? Que tem isso a ver com a prova de que o operário, como o servo, trabalha apenas parte do tempo para si e parte do tempo para seu patrão?
Tem tudo.
O assalariado na sociedade capitalista é um homem livre. Não pertence a um dono, como na escravidão, nem está preso ao solo, como no regime feudal da servidão. Vimos no capítulo XIV como ele foi “libertado” não só do senhor, mas também dos meios de produção. Vimos como os meios de produção (terra, instrumentos, máquinas etc.) passaram a ser propriedade de um pequeno grupo e já não eram distribuídos geralmente entre todos os trabalhadores. Os que não são donos dos meios de produção só podem ganhar a vida empregando-se — por salários — aos que são donos. É evidente que o trabalhador não se vende ao capitalista (isso faria dele um escravo), mas vende a única mercadoria que possui — sua capacidade de trabalhar, sua força de trabalho.
“Para a conversão de seu dinheiro em capital, portanto, o dono do dinheiro deve encontrar no mercado o trabalhador livre, livre no duplo sentido de que, como homem livre, pode dispor da força de trabalho como sua mercadoria e que por outro lado não tem outra mercadoria para vender, faltando-lhe todo o necessário para a realização de sua capacidade de trabalho.”  269
Por que preço deve esse trabalhador livre vender sua mercadoria — isto é, qual é o valor de sua força de trabalho? Seu valor é, como o de qualquer outra mercadoria, determinado pelo total de trabalho necessário para produzi-la. Em outras palavras, o valor da força de trabalho do operário é igual a todas as coisas necessárias à sua vida, e, como o suprimento do trabalho deve ser permanente, ao custo da manutenção de uma família. O que se compreende por essa soma difere segundo a época e o local. (Por exemplo, difere hoje nos Estados Unidos e na China.) O trabalhador recebe salários em troca de sua capacidade de trabalho. Esse salário tenderá sempre a ser igual à soma de dinheiro que lhe adquirirá todo o necessário para a reprodução da capacidade de trabalho, tanto em si como em seus filhos.
Marx assim apresenta a questão: “O valor da força de trabalho é o valor dos meios de subsistência necessários à manutenção do trabalhador... ...Seus meios de subsistência... ...devem ser suficientes para mantê-lo num estado normal de indivíduo trabalhador. Suas necessidades naturais, como alimento, roupas, combustível, abrigo, variam segundo o clima e outras condições físicas de seu país. Por outro lado, o número e extensão das chamadas necessidades fundamentais são em si produto da evolução histórica, e dependem, portanto, em grande parte, do grau de civilização de um país... ...dos hábitos e graus de conforto em que se formou a classe dos trabalhadores livres...
“O dono da força de trabalho é mortal... ...A força de trabalho que, pelo desgaste e pela morte, deixa o mercado, deve ser continuamente substituída, no mínimo, por um volume correspondente de nova força de trabalho. Portanto, a soma dos meios de subsistência necessários à produção da força de trabalho deve incluir os meios necessários à substituição do trabalhador — isto é, aos seus filhos — a fim de que essa raça de donos de uma mercadoria peculiar possa perpetuar-se no mercado.”  270
Isso significa simplesmente que o operário receberá, em troca de sua capacidade de trabalho, salários que serão apenas suficientes para mantê-lo, e à sua família, vivos, com um pouco mais (em alguns países) para comprar um rádio, um carro, ou uma entrada de cinema, ocasionalmente.
Observe-se que no trecho acima Marx se refere a “essa raça de donos de uma mercadoria peculiar”. O que há de peculiar na mercadoria do trabalho, a força de trabalho? É peculiar por que, ao contrário de todas as outras mercadorias, pode criar um valor superior ao que encerra. Quando o trabalhador se aluga, vende sua força de trabalho não apenas pelo tempo que leva para produzir o valor de seus salários, mas pela extensão de todo um dia de trabalho. Se o dia de trabalho for de 10 horas, e o tempo necessário para produzir o valor de seu salário for igual a 6 horas, então sobram 4 horas durante as quais o operário não está trabalhando para si, mas para seu patrão. Às 6 horas Marx chama de tempo de trabalho necessário, e s 4 horas, tempo de trabalho excedente. Do valor do produto total de 10 horas de trabalho, seis décimos correspondem ao salário, quatro décimos são iguais à mais-valia, que fica em poder do patrão e constitui seu lucro.
“O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade total de trabalho nela encerrada. Mas .parte dessa quantidade de trabalho é realizada num valor, pelo qual foi pago um equivalente na forma de salário; parte dela é realizada num valor cujo equivalente não foi pago. Parte do trabalho encerrado na mercadoria é trabalho pago; parte, é trabalho não-pago. Vendendo a mercadoria pelo seu valor, ou seja, pela cristalização da quantidade total do trabalho nela empenhado, o capitalista a está necessariamente vendendo com lucro. Vende não apenas o que ela lhe custou, embora tenha custado o trabalho de seu operário. O custo da mercadoria para o capitalista e seu custo real são coisas diversas. Repito, portanto, que o lucro normal e médio é obtido vendendo a mercadoria não acima do seu valor, mas pelo seu valor real.”  271
A teoria da mais-valia de Marx resolve o mistério de como o trabalho é explorado na sociedade capitalista. Vamos resumir todo o processo em frases curtas:
O sistema capitalista se ocupa da produção de artigos para a venda, ou de mercadorias.
O valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário encerrado na sua produção.
O trabalhador não possui os meios de produção (terra, ferramentas, fábricas etc.).
Para viver, ele tem de vender a única mercadoria de que é dono, sua força de trabalho.
O valor de sua força de trabalho, como o de qualquer mercadoria, é o total necessário à sua reprodução — no caso, a soma necessária para mantê-lo vivo.
Os salários que lhe são pagos, portanto, serão iguais apenas ao que é necessário à sua manutenção.
Mas esse total que recebe, o trabalhador pode produzir em parte de um dia de trabalho.
Isso significa que apenas parte do tempo estará trabalhando para si.
O resto do tempo, estará trabalhando para o patrão.
A diferença entre o que o trabalhador recebe de salário e o valor da mercadoria que produz, é a mais-valia.
A mais-valia fica com o empregador — o dono dos meios de produção.
É a fonte do lucro, juro, renda — as rendas das classes que são donas.
A mais-valia é a medida da exploração do trabalho no sistema capitalista.
Karl Marx era um atento estudioso da história americana, e portanto é provável que conhecesse os escritos e discursos de Abraham Lincoln. Não sabemos se Lincoln teve a oportunidade de ler qualquer dos trabalhos de Karl Marx. Mas sabemos que sobre certos assuntos seus pensamentos eram idênticos. Vejamos esse trecho de Abraham Lincoln: “Nada de bom tem sido, ou pode ser, desfrutado sem ter primeiro custado trabalho. E como a maioria das coisas boas são produzidas pelo trabalho, segue-se que todas essas coisas pertencem, de direito, àqueles que trabalharam para produzi-las. Mas tem ocorrido, em todas as eras do mundo, que muitos trabalharam e outros, sem trabalhar, desfrutaram uma grande proporção dos frutos. Isso está errado e não deve continuar. Assegurar a todo trabalhador o produto de seu trabalho, ou o máximo possível desse produto, é objetivo digno de qualquer bom governo.”    272
Isso é de Abraham Lincoln. Também ele sabia que o trabalho é que faz as coisas e que ao ter de dividi-las com o capital está sendo, de certo modo, roubado. Vai além. Leiamos novamente a última frase, e veremos que ele deseja acabar com tal situação. Tal como os utópicos. Tal como Marx. Mas divergiam muito quanto ao método de realizar isso.
Os socialistas utópicos, “ao elaborarem suas utopias... ...pouco se preocuparam se as grandes forças industriais em funcionamento na sociedade permitiriam a desejada modificação” 273. Acreditavam que bastava formular um plano para a sociedade ideal, interessar os poderosos ou os ricos (ou ambos) no plano, experimentá-lo em pequena escala, e confiar no bom senso do mundo para torná-lo realidade.
Assim, Robert Owen, famoso socialista inglês, escreveu um livro cuja tese pode ser identificada pelo título, Book of the New Moral World. Prega ele a revolta da classe trabalhadora para provocar a modificação que levará à nova sociedade? Não. No fim de seu livro escreve uma carta a Sua Majestade Guilherme IV, Rei da Grã-Bretanha. Diz: “Este livro apresenta os princípios fundamentais de um Novo Mundo Moral e com isso estabelece uma nova base sobre a qual reconstruir a sociedade e recriar o caráter da raça humana... ...A sociedade emanou de erros fundamentais da imaginação, e todas as instituições e disposições sociais do homem no mundo se basearam nesses erros... ...Sob vosso reinado, Senhor, a modificação desse sistema, com todas as suas más conseqüências, para outro, baseada em verdades auto-evidentes, assegurará a felicidade a todos, e, com toda a probabilidade, será realizada.”   274
E Charles Fourier, famoso socialista francês, também passou por sobre a classe trabalhadora, indo em busca de homens de dinheiro para ajudá-lo em suas experiências com uma nova ordem: “Certa vez, anunciou que ficaria em casa diariamente a determinada hora, para esperar qualquer filantropo disposto a dar-lhe um milhão de francos para uma colônia baseada nos princípios fourierísticos. A partir de então, e por 12 anos, esteve em casa diariamente, pontualmente, ao meio-dia, esperando o generoso estranho, mas nenhum milionário jamais apareceu.”275
Os adeptos de Saint-Simon, outro socialista francês, eram contrários às sugestões de Fourier. Mas também eles julgaram ser a colaboração da burguesia necessária para provocar uma modificação social. Em seu órgão, o Globe, a 28 de novembro de 1831, publicavam este tópico revelador: “As classes trabalhadoras não se podem elevar a menos que as classes superiores lhes estendam a mão. É destas últimas que deve partir a iniciativa.”   276
Marx ridicularizou essas propostas dos utópicos. Julgou-as fantásticas. No Manifesto Comunista, escrito em 1848 em conjunto com Friedrich Engels, amigo e colaborador de toda a sua vida (Engels publicou os volumes II e III de O Capital, inacabados quando Marx morreu), Marx e Engels mostram sua desaprovação aos socialistas utópicos. “Eles desejam melhorar a condição de todo membro da sociedade, mesmo dos mais favorecidos. Por isso, habitualmente apelam para a sociedade em conjunto, sem distinção de classes; ou antes, de preferência à classe dominante. Pois como podem as pessoas não ver, uma vez compreendido seu sistema, que ele é o melhor plano possível para o melhor estado possível da sociedade?
“Por isso, rejeitam toda ação política, e especialmente a revolucionária; querem atingir seus fins por meios pacíficos, e tentam, em experiências pequenas, necessariamente destinadas ao fracasso, e pela força do exemplo, abrir o caminho para o novo Evangelho social...
“Ainda sonham com a realização experimental de suas utopias sociais, de fundar ‘falanstérios’ isolados [Fourier], de estabelecer ‘Colônias’, de fundar a ‘Pequena Icária’, [Etienne Cabet, outro socialista francês] — duodécimas edições da Nova Jerusalém, e para realizar todos esses castelos no ar são obrigados a apelar para os sentimentos e as bolsas do burguês.” 277
Foi esse “apelo aos sentimentos e à bolsa do burguês” que irritou particularmente Marx e Engels. Para eles, a transformação numa nova sociedade devia ser provocada não pelos esforços da classe dominante, mas pela ação revolucionária da classe trabalhadora. Escrevendo a BebeI, Liebknecht, e outros radicais alemães em setembro de 1879, expressaram-se claramente quanto a esse ponto: “Por quase 40 anos vimos acentuando a luta de classes como a força motora imediata da história, e em particular a luta de classes entre a burguesia e o proletariado como a grande alavanca da moderna revolução social. É portanto impossível para nós cooperar com pessoas que desejam afastar essa luta de classes do movimento. Quando a Internacional foi formada, formulamos expressamente o grito de guerra: a emancipação da classe trabalhadora deve ser realizada pela própria classe trabalhadora. Não podemos, portanto, cooperar com pessoas que consideram os trabalhadores carentes de educação para se emanciparem sozinhos, e devem ser libertados primeiramente de cima, pelo burguês filantropo e pelo pequeno burguês.”  278
Que queriam Marx e Engels dizer ao chamar a luta de classes de “força motora imediata da história”, e a luta de classes entre a burguesia e o proletariado de “grande alavanca da moderna revolução social’”? A resposta a essa pergunta só pode ser encontrada examinando-se a forma pela qual interpretavam a história.
Que filosofia da história tem o leitor? Acredita que os acontecimentos históricos são principalmente uma questão de acaso, meros acidentes sem um tema de ligação entre todos. eles? Ou acredita que as modificações históricas são devidas ao poder das idéias? Ou acredita que os movimentos históricos podem ser atribuídos às influências dos grandes homens? Se o leitor acredita em qualquer dessas filosofias, não é um marxista. A escola de historiadores que tem em Marx seu fundador e mais brilhante expoente explica os movimentos, as modificações ocorridas na sociedade, como resultado — conseqüência — das forças econômicas da sociedade.
Para essa escola, as coisa não são independentes umas das outras, mas interdependentes. A história parece ser apenas uma seqüência de atos desordenados. Mas, na realidade, conforma-se a um padrão definido de leis que podem ser descobertas.
Engels explica as raízes da filosofia de Marx nos seguintes termos: “Nesse sistema — e aí está seu grande mérito — pela primeira vez todo o mundo, natural, histórico e intelectual, é representado como um processo, isto é, como um movimento constante, uma modificação, transformação, desenvolvimento. É a tentativa de estabelecer a ligação interna que dá continuidade a todo esse movimento e evolução. Desse ponto de vista, a história da humanidade deixa de parecer um rodopio louco de idéias sem sentido... ...mas sim um processo de evolução do próprio homem.” 279
A economia, política, lei, religião, educação, de cada civilização, estão ligados — um depende do outro e é condicionado pelos outros. De todas essas forças a economIa é a mais importante — fator básico. A chave. A chave de tudo são as relações existentes entre os homens, como produtores. A forma pela qual os homens vivem é determinada pela forma de ganhar a vida — pelo modo de produção predominante dentro de qualquer sociedade, em determinado momento.
Marx assim o afirma: “Meus estudos levaram-me à conclusão de que as relações legais, bem como as formas de Estado, não podiam ser compreendidas em si, nem explicadas pelo chamado progresso geral do espírito humano, e sim que estão enraizadas nas condições materiais de vida... ...na produção social que os homens realizam, entram em relações definidas... ...Essas relações de produção correspondem a um determinado estágio no desenvolvimento de sua capacidade material de produção. A soma total dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade — a base real, sobre a qual se levantam as superestruturas jurídica e política, e a que correspondem formas definidas de consciência social. O modo de produção na vida material determina o caráter geral dos processos de vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina sua existência, mas sim o contrário, é sua existência social que determina sua consciência.”  280
Essa filosofia nos proporciona um instrumento para a análise e interpretação da história. A forma pela qual os homens ganham sua vida — o modo de produção e troca — é a base de toda sociedade. “A maneira pela qual a riqueza é distribuída, e a sociedade dividida em classes... ...depende do que é produzido, e como são trocados os produtos” Da mesma forma, os conceitos de direito, justiça, educação etc. — o conjunto de idéias de cada sociedade — são adequados à fase de desenvolvimento econômico atingido por essa sociedade. E o que provoca a revolução social e política? É simplesmente uma modificação nas idéias humanas? Não. Pois tais idéias dependem de uma modificação que ocorre primeiramente na Economia — no modo de produção e troca.
O homem progride em sua conquista da Natureza; descobrem-se novos e melhores métodos de produzir e trocar mercadorias. Quando essas modificações são fundamentais e de grande alcance, surgem os conflitos sociais. As relações nascidas das velhas formas de produção estão solidificadas; os modos de vida antigos se fixaram no direito, na política, na religião, na educação. A classe que estava no poder quer conservá-lo, e entra em conflito com a classe que está em harmonia com o novo método de produção. A revolução é o resultado.
Essa interpretação da história, segundo os marxistas, torna possível compreender um mundo que de outra forma seria incompreensível. Examinando os acontecimentos históricos do ponto de vista das relações de classe provocadas pelas formas de ganhar a vida, o que era ininteligível torna-se pela primeira vez inteligível. Tendo como instrumento esse conceito da história podemos compreender a transição do feudalismo para o capitalismo e deste para o comunismo.
Por terem estudado o passado desse ponto de vista, Marx e Engels puderam atribuir à burguesia seu lugar adequado na história. Não disseram que o capitalismo e os capitalistas são maldosos — explicaram como a forma de produção capitalista surgiu de condições anteriores; acentuaram o caráter revolucionário da burguesia no seu período de crescimento e luta com o feudalismo. “Vemos então: os meios de produção e troca sobre os quais a burguesia se elevou, foram provocados pela sociedade feudal. Em certa fase da evolução desses meios de produção e troca... ... as relações feudais de propriedade deixaram de ser compatíveis com as forças produtivas já existentes; tornaram-se cadeias. Tinham de ser rompidas, e foram rompidas.
“No lugar delas surgiu a concorrência livre, acompanhada de uma constituição social e política correspondente, e do predomínio econômico e político da classe burguesa.”  281
Portanto, a transição do feudalismo para o capitalismo ocorreu porque estavam presentes novas forças produtivas e uma classe revolucionária — a burguesia. Isso ocorre sempre. A velha ordem não será substituída por uma nova sociedade por que assim o desejem os homens. Não. As novas forças produtivas devem estar presentes, e com elas uma classe revolucionária cuja função é compreender e dirigir.
Assim foi na evolução do feudalismo para o capitalismo, e assim será, disseram Marx e Engels, na transição do capitalismo para o comunismo.
Mas estudar a sociedade do passado e descrever o que ocorrera era uma coisa; examinar a sociedade do presente e descrever o que acontecerá, é outra muito diferente. Que prova tinham Marx e Engels de que o capitalismo deve, como o feudalismo, desaparecer do cenário histórico? Que prova tinham de que o capitalismo se decomporia internamente, que as forças da produção já estavam concebidas e eram impedidas de progredir e de se desenvolver livremente pelas relações de produção?
Marx e Engels, já em 1848, analisaram a sociedade capitalista e assinalaram certas características dentro do sistema de produção que, segundo eles, determinavam seu desaparecimento. Assinalaram o seguinte:
A crescente concentração da riqueza nas mãos de uns poucos.
O esmagamento de muitos pequenos produtores pelos grandes produtores.
O uso crescente da máquina, substituindo um número cada vez maior de trabalhadores e criando uma “força industrial de reserva”.
A crescente miséria das massas.
A ocorrência de colapsos periódicos no sistema — crises — cada qual mais devastadora do que a outra.
E o mais importante — a contradição fundamental da sociedade capitalista — o fato de que enquanto a produção em si é cada vez mais socializada, o resultado do trabalho coletivo, a apropriação, é privado, individual. O trabalho cria, o capital se apropria. No capitalismo, a criação pelo trabalho já se tornou uma empresa conjunta, um processo cooperativo com milhares de operários trabalhando cm conjunto (freqüentemente, para produzir apenas uma coisa, como por exemplo o automóvel). Mas os produtos, socialmente produzidos, são apropriados não pelos seus produtores, mas pelos donos dos meios de produção — os capitalistas. E aí está o problema — a origem do conflito. A produção socializada contra a apropriação capitalista.
Isso está resumido numa notável passagem de O Capital de Marx: “Um capitalista sempre mata muitos. Lado a lado com essa centralização, ou essa expropriação de muitos capitalistas por uns poucos, desenvolve-se, em escala sempre crescente, a forma cooperativa de processo de trabalho... ...a transformação dos instrumentos de trabalho em instrumentos de trabalho usáveis apenas em comum... ...Juntamente com a diminuição constante do número de magnatas do capital... ...cresce a massa da miséria, opressão, escravidão, degradação, exploração. Mas, com isso, cresce também a revolta da classe trabalhadora... ...disciplinada, unida, organizada pelo mecanismo mesmo do processo de produção capitalista. O monopólio do capital se torna uma cadeia sobre os modos de produção... ...A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho chegam finalmente a um ponto em que se tornam incompatíveis com sua estrutura capitalista. A estrutura é rompida. O dobre de finados soa para a propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.”   282
Marx e Engels esperavam uma época em que as forças sociais de produção já não poderiam ser contidas pelas limitações impostas pela propriedade privada e pela apropriação individual. Previam que o conflito resultante levaria ao estabelecimento de uma nova e harmoniosa sociedade, na qual a propriedade e controle dos meios de produção seriam transferidos das mãos de uns poucos capitalistas apropriadores para os muitos produtores proletários.
Mas como se efetuaria essa modificação? Pela ação dos homens. E quais eram os homens que efetuariam essa modificação? O proletariado. Por quê? Por ser quem mais sofre as contradições do capitalismo, porque não está interessado em preservar um sistema baseado na propriedade privada, no qual não recebe a sua justa parte. A evolução do capitalismo para o comunismo é inerente ao próprio capitalismo, e o instrumento da transição é o proletariado.
Marx não era um revolucionário de gabinete, que se satisfizesse cm dizer aos outros o que fazer e por que fazê-lo. Não, ele fazia o que dizia. E como suas palavras não eram apenas uma explicação do mundo, mas também um instrumento para modificar o mundo, ele mesmo, como revolucionário sincero, tinha de participar da luta. E participou.
Ao compreender que o instrumento para abolir o capitalismo era o proletariado, naturalmente dedicou sua atenção ao preparo e organização da classe trabalhadora para suas lutas políticas e econômicas. Foi o membro mais ativo e influente da Associação internacional dos Trabalhadores (a Primeira Internacional), estabelecida em Londres a 28 de setembro de 1864. Dois meses após sua fundação, a 29 de novembro de 1864, Marx escrevia ao Dr. Kugelmann, um alemão que era seu amigo: “A Associação, ou antes, seu Comitê, é importante porque os líderes dos sindicatos de Londres dele participam Os líderes dos trabalhadores pa também estão ligados a ele.”  283
Marx e Engels atribuíam grande importância aos sindicatos: “a organização da classe trabalhadora como classe por meio dos sindicatos... ...é verdadeira organização de classe do proletariado na qual trava sua luta diária contra o capital, na qual se exercita...” 284
Exercita-se para quê? Para a luta por salários mais altos, menores dias de trabalho, melhores condições? Certamente. Mas para uma luta muito mais importante também — a luta pela completa emancipação da classe trabalhadora, pela abolição da propriedade privada. Como é da propriedade privada dos meios de produção que surgem todos os males do capitalismo, o ponto principal do programa de Marx e Engels era a abolição da propriedade privada, base da exploração. “O objetivo imediato dos comunistas é a formação do proletariado como classe, a derrubada da supremacia burguesa, a conquista do poder político pelo proletariado A característica do comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa. Mas a moderna propriedade privada burguesa é a expressão final e mais completa do sistema de produção e apropriação dos produtos que se baseia no antagonismo de classes, na exploração dos muitos pelos poucos.
“Nesse sentido, a teoria dos comunistas pode ser resumida numa única frase: Abolição da propriedade privada...
“A burguesia se horroriza com nossa intenção de acabar com a propriedade privada. Mas, na sociedade burguesa;a propriedade privada já não existe para nove décimos da população; sua existência para uns poucos é devida exclusivamente à sua não-existência para os outros nove décimos. A burguesia nos acusa, portanto, de pretendermos acabar com uma forma de propriedade que tem como condição de existência a inexistência de qualquer propriedade para a imensa maioria da sociedade.
“Em suma, a burguesia nos acusa de pretender acabar com a sua propriedade. Exatamente: é justamente isso que pretendemos.
 “Argumentou-se que com a abolição da propriedade privada cessará todo o trabalho, e seremos dominados pela preguiça universal.
“Segundo tal argumento, a sociedade burguesa há muito deveria ter sucumbido à ociosidade; pois seus membros que trabalham nada adquirem, e os que adquirem alguma coisa não trabalham.”  285
Portanto, a propriedade privada, na forma que existe na sociedade capitalista — dando à classe dos proprietários o direito de explorar os demais — deve ser abolida. Mas como? Pedindo-se aos donos de propriedades que abram mão delas? Eliminando pelo voto seus direitos de propriedade? Na verdade, não, disseram Marx e Engels.
Como, então? Qual o método advogado?
A revolução.
“Os comunistas não desejam esconder suas opiniões e objetivos. Declaram abertamente que seus objetivos só podem ser atingidos com a derrubada pela força de todas as condições sociais existentes. Que a classe dominante trema com a revolução comunista. Os proletários nada têm a perder, senão suas cadeias. Têm o mundo a ganhar.
“Trabalhadores de todos os países, uni-vos.” 286
Esse desafio à classe dominante, esse apelo à revolução, foi publicado pela primeira vez em fevereiro de 1848. É interessante que um mês antes de sua publicação, uma completa sanção às revoluções era feita pelo grande americano Abraham Lincoln, num discurso na Câmara dos Deputados, a 12 de janeiro de 1848: “Qualquer povo, em qualquer parte, tendo o desejo e o poder, tem o direito de levantar-se e derrubar o governo existente e formar um novo, que lhe seja melhor. É um direito muito valioso e sagrado — um direito que, acreditamos e esperamos, venha a libertar o mundo.”  287
Por que falava Lincoln do direito de “levantar-se e derrubar o governo existente”? Por que não realizar as modificações desejadas dentro da estrutura do governo antigo?
Possivelmente por julgar que isso era impraticável. Possivelmente por acreditar, como Marx e Engeis, que “o executivo de um Estado moderno é apenas uma comissão para administrar os negócios comuns de toda a burguesia”.  288
Isso significa simplesmente que na luta entre os que têm propriedades e os que não têm, os primeiros encontram no governo uma arma importante contra os segundos. O poderio estatal é usado no interesse da classe dominante — em nossa sociedade, isso significa nos interesses da classe capitalista.
Na verdade, segundo os marxistas, essa a razão pela qual o Estado existe, em primeiro lugar. A sociedade moderna está dividida entre opressores e oprimidos, a burguesia e o proletariado. Há um conflito entre os dois. A classe que domina economicamente — que possui os meios de produção —- também domina politicamente. E “o poder político... ...é apenas o poder organizado de uma classe para a opressão de outra”. 289
Somos levados a acreditar que o Estado está acima das classes — que o governo representa todo o povo, os ricos e os pobres, os que estão por cima e os que estão por baixo. Mas na realidade, como a sociedade econômica baseia-se hoje na propriedade privada, segue-se que qualquer ataque à cidadela do capitalismo — isto é, à propriedade privada — encontrará a resistência do Estado, até à violência, se necessária.
Na verdade, enquanto existirem classes, o Estado não pode estar acima delas — fica ao lado dos dominantes. Adam Smith assim expressou esse pensamento: “Sempre que a legislatura tenta regulamentar a diferença entre os senhores e seus trabalhadores, seus conselheiros são sempre os senhores.”  290
E uma grande autoridade, mais próxima de nossa. época, deu em termos inequívocos sua opinião de que o governo é controlado pelos que controlam a vida econômica. Em 1913 o Presidente Woodrow Wilson escrevia: “Os fatos da situação são os seguintes: um número relativamente pequeno de homens controla a matéria-prima deste país [os E. U. A.]; um número relativamente pequeno de homens controla a força hidráulica... ...que o mesmo número de homens controla em grande parte as ferrovias; que por acordo entre si controlam preços, e que o mesmo grupo controla os maiores créditos do país... ...Os donos do governo dos Estados Unidos são os capitalistas e industriais dos Estados Unidos.”  291291
Mesmo admitindo que a máquina estatal esteja sob controle da classe dominante, segue-se daí que a única forma de tomar o proletariado esse controle é pela derrubada violenta do governo? Por que não usar as urnas? Por que não tomar o poder através de processos democráticos? Por que não concorre o proletariado às eleições?
São perguntas importantes — causa de lutas amargas entre os próprios trabalhadores. Uma resposta dada habitualmente pelos revolucionários é a de que a força tem de ser usada, que o sangue tem de correr, não porque desejam usar a violência, mas porque a classe dominante não cederá sem isso. Há um exemplo forte a favor de tal argumento. Se Marx estivesse vivo em 1932, poderia ter usado a seguinte notícia publicada no New York Herald Tribune para apoiar seu ponto de vista:
BULGÁRIA, MONARQUIA,
TEM CAPITAL COMUNISTA
MAS O DOMÍNIO VERMELHO DO CONSELHO
DE SÓFIA TERÁ VIDA CURTA
SÓFIA, Bulgária, 26 de setembro — A esmagadora vitória dos comunistas nas eleições municipais de ontem causou grande surpresa e muito constrangimento aqui.
Dos 35 assentos que tem o Conselho Municipal, os comunistas obtiveram 22, contra 10 para o bloco aliado do governo e os democratas, e 3 para o partido de Zankoff. Desde as eleições parlamentares de 1931, os comunistas dobraram seu eleitorado, ao passo que o bloco governamental perdeu 5O% de seus votantes.
Sófia é a primeira capital européia, fora da Rússia, a se tornar comunista, e a anomalia se torna ainda mais chocante pelo fato de ser a Bulgária uma mo narquia e estar a residência do Rei Bóris a apenas alguns minutos a pé do Conselho Municipal.
Por isso, e por outras razões, uma administração comunista da cidade não será tolerada. Tão logo foram conhecidos os resultados da eleição, o “Premier” Nicolas Mushanoff anunciou sua intenção de dissolver o Conselho Municipal antes mesmo que ele se reúna. Também é provável que o Partido Comunista seja declarado ilegal e proibido em toda a Bulgária.
A vitória comunista foi provocada pela desesperada situação econômica, que levou muitas pessoas, inteiramente desligadas do bolchevismo, a votar nos comunistas como protesto.  292
Nesse exemplo, os comunistas obtiveram a vitória, segundo um jornal conservador republicano. Não obstante, negaram-lhes o direito de assumir os mandatos, e até mesmo o direito de existir no futuro. O que estaria pensando o repórter do jornal ao escrever “por isso, e por outras razões”? Provavelmente que a vitória dos comunistas significava uma ameaça para a propriedade privada da classe dominante.
Marx e Engels tentaram preparar a classe trabalhadora para os acontecimentos futuros. Os trabalhadores devem ter consciência de classe, devem organizar-se como classe, compreender seu papel na evolução histórica. Devem estar preparados para expropriar os expropriadores; para abolir a propriedade privada e com elas as classes e o domínio de classe.
Marx e Engels sentiam que o colapso do capitalismo se aproximava. Esse colapso, se os trabalhadores não estivessem preparados, significaria o caos; se estivessem, significaria o socialismo. “Então, pela primeira vez o homem, num certo sentido, se distingue finalmente do resto do reino animal, e deixa as simples condições animais de existência para ingressar em condições realmente humanas... ...Somente a partir de então o homem, cada vez mais conscientemente, fará sua própria história — somente a partir de então as causas sociais postas em movimento por ele terão, em sua maioria e em proporções sempre maiores, os resultados previstos por ele. É a passagem do homem, do reino da necessidade para o reino da liberdade.”


C A P Í T U L O   X I X
“EU ANEXARIA OS PLANETAS, SE PUDESSE... “
É CLARO que tudo isso era perigoso.
A teoria do valor do trabalho, exposta pelos economistas clássicos no princípio da Revolução industrial, servira a uma finalidade útil. A burguesia, então a classe progressista, transformara-a numa arma contra a classe politicamente retrógrada mas poderosa dos donos de terra, que denunciava como desfrutando, sem trabalhar, a atividade de outras pessoas. Nas mãos de Ricardo, que usou juntamente com sua teoria da renda para atacar os donos de terra, a teoria do valor foi OK.
Nas mãos de Marx, decididamente não foi OK. Marx aceitara a teoria do valor do trabalho e a levara mais além, ao que julgou ser a sua conclusão lógica. O resultado, aos olhos da burguesia, foi desastroso. A situação se invertia totalmente. O que fora a sua arma na luta contra seu inimigo transformava-se na arma usada pelo proletariado contra ela!
A saída, porém, seria encontrada logo. Poucos anos depois de publicado O Capital os economistas apresentavam uma teoria de valor inteiramente nova. Três homens em três países diferentes — Stanley Jevons na Inglaterra (1871), Karl Menger na Austria (1871) e Léon Walras na Suíça (1874) — trabalhando independentemente, chegaram a esse novo conceito praticamente ao mesmo tempo. Como os economistas clássicos, e como Marx e Engels, logo encontraram adeptos para explicar e ampliar suas doutrinas. Fizeram-lhes correções, revisões e acréscimos, mas a idéia central da teoria continua até hoje como o centro da Economia ortodoxa.
A explicação do valor dada por esses economistas é denominada teoria marginal da utilidade. Na segunda página de sua Theory of Political Economy, Jevons anuncia o rompimento com o passado: “A reflexão e a pesquisa levaram-me à opinião mais ou menos nova de que o valor depende inteiramente da utilidade.” 294 Utilidade é uma palavra que expressa o sentimento de quem vai comprar uma mercadoria, em relação a essa mercadoria. Se precisa muito dela, a utilidade lhe será grande; quanto maior a necessidade, tanto maior a utilidade; quanto menor a necessidade, tanto menor a utilidade. Sua utilidade para o comprador serve de medida do valor que lhe atribuirá, e portanto do preço que estará disposto a pagar por ela.
Era um rompimento sério com o passado, com a escola clássica e também com a escola marxista. Para elas, o valor de uma mercadoria dependia do trabalho necessário para fazê-la, mas Jevons disse: “O trabalho, uma vez empregado, não influi no valor futuro de qualquer artigo.” Isso desvia a importância, na teoria econômica, da produção para o consumo, do departamento de custos para o mercado. É uma teoria de compreensão mais difícil, pois enquanto é fácil imaginar que um artigo leva uma determinada carga de trabalho, não é tão fácil imaginar-se essa mesma carga de utilidade. O custo do trabalho é algo que se pode medir — ou seja, é um padrão objetivo. Mas a utilidade difere para cada homem, varia com a margem de satisfação que ele espera obter dela, uma vez comparada. Ou seja, é um padrão subjetivo.
Ora, é fácil perceber que diferentes pessoas obtêm satisfações diferentes da mesma mercadoria. Ou, em outras palavras, a mesma mercadoria tem diferente soma de utilidade para pessoas diferentes. Mas a mesma mercadoria é vendida pelo mesmo preço — isto é, tem o mesmo valor. (Para a maioria dos economistas modernos o preço é exatamente o valor expresso em dinheiro, embora para Marx não seja assim.) Portanto, se a utilidade é a medida do valor, como podem diferentes somas de utilidade ser vendidas pelo mesmo preço? É aí que entra a idéia da “margem”, e é importante compreendê-la porque ao lermos qualquer livro moderno de teoria econômica, encontraremos centenas de referências à “utilidade marginal”, à “produtividade marginal”, ao “custo marginal” etc.
Suponhamos que por uma razão ou outra há apenas cem mil carros no mercado. Haverá compradores em potencial, tão ricos e desejosos de um carro, que estão dispostos a pagar qualquer preço por ele. Haverá também outros que desejam um carro, mas talvez não sejam tão ricos, e, sendo o carro tão caro, melhor será empregar o dinheiro noutra coisa. Depois destes vêm os que estão prontos a pagar caro por um carro, mas têm de ser cuidadosos porque não dispõem de muito dinheiro, e há muitas outras coisas que podem fazer com a quantia limitada de que são donos, e que lhes darão a mesma satisfação que um automóvel. Se o carro custar mais do que outra coisa que lhes dará a mesma satisfação, é claro que não o comprarão. “Compramos tantos quilos de chá ou qualquer outra coisa que julgamos valer o preço que temos de pagar. Se o preço fosse mais alto, compraríamos menos, e se fosse mais baixo, compraríamos mais, exatamente devido a essa variação de utilidade que Jevons mostrou. Portanto, a utilidade de nossa compra final corresponde ao preço...”295  E assim por diante, até que os dois lados se equilibram. De uma forma ou de outra, haverá um comprador disposto a pagar o preço pedido pelo fabricante de carros; alguns compradores estariam dispostos a pagar mais, e haverá milhares que comprariam o carro se ele custasse um pouco menos. Mas há apenas 100.000 carros e se o fabricante quer vendê-los todos, terá de ser a um preço compatível com a bolsa e os gostos do centésimo milésimo comprador. Poderia obter preço mais alto se estivesse disposto a vender menos carros. Ou poderia vender mais, se quisesse reduzir o preço. Mas se tem apenas 100.000 para vender, e quer vendê-los todos, tem de adaptar-se aos recursos do homem que pode comprá-los. Se constatar que não há 100.000 compradores dispostos a pagar o que pede, terá de retirar alguns carros do mercado e vender menor quantidade. Ou, se quiser vender todos, terá de reduzir o preço a fim de colocá-los ao alcance de pessoas com menos recursos ou gostos diferentes. Não poderia vender o mesmo carro, num mercado livre, por diferentes preços a diferentes compradores.
Evidentemente, esse centésimo milésimo comprador, ou comprador marginal, não é ninguém em particular — é qualquer um de todos os 100.000, tal como o carro que compra pode ser qualquer um dos 100.000 carros. Na explicação teórica da forma pela qual o mercado funciona, e da forma pela qual o preço do mercado é estabelecido, ele é o homem que representa a procura marginal. Se o preço fosse maior, poderia comprar outras coisas com seu dinheiro, e que lhe proporcionariam maior satisfação. Se o preço fosse mais baixo, um número maior de compradores surgiria, e a oferta; seria insuficiente. O fabricante elevaria o preço até excluir do mercado os que estivessem dispostos a pagar apenas o preço mais baixo.
Passemos ao lado oposto, e comecemos a explicação do lado da procura. Digamos que há 1.000 pessoas dispostas a pagar $1.000 por uma geladeira, outras mil dispostas a pagar apenas $750. Temos então 2.000 pessoas prontas a pagar pelo menos $750. E assim vamos descendo na escala (atingindo pessoas que têm cada vez menos dinheiro) até chegarmos aos 5 milhões de pessoas prontas a pagar pelo menos $50. A questão é saber: quantas podem comprar uma geladeira e o que custará ela? (Suponhamos, para facilitar, que há apenas um tipo de geladeira.) Isso depende de considerar o fabricante que vale a pena produzir 5 milhões de unidades àquele preço. Se, mesmo com a produção em massa, uma geladeira lhe custa mais de $50, é evidente que ele não as fabricará, ou, se lhe proporcionar um lucro demasiado reduzido, procurará outro negócio em que empatar o capital, com maiores lucros. Então, não serão produzidos os 5 milhões de refrigeradores. O fabricante tem um uso marginal de seu capital, exatamente como o consumidor tem um uso marginal para seu dinheiro. Não o empregará em refrigeradores, se puder ter lucros maiores noutra coisa, Só empregará no fabrico de refrigeradores a soma de capital compensadora — se empregar menos, estará perdendo uma boa oportunidade (e a existência dessa oportunidade dentro em pouco atrairá mais capital em busca de lucros), e, se colocar mais, a indústria estará “supercapitalizada”, e não dará dividendos. Verifica que há 3 milhões de pessoas dispostas a pagar $150 por uma geladeira, e que isso lhe proporciona o lucro justo, e não pode ganhar mais investindo noutro ramo e que se produzisse mais o preço cairia e seus lucros também — e que o capital se afastaria daquela indústria.
Tudo isso parece muito complicado — e é. Mas a idéia geral da “utilidade marginal” é muito simples, e podemos ver ilustração diariamente, à nossa volta. O total de satisfação que conseguimos de um artigo depende da quantidade que já possuímos. Quanto maior esta, tanto menor a satisfação. Suponhamos que uma equipe de futebol esteja pronta a iniciar o jogo, mas lhe falta a bola. Surge então a oportunidade de arranjar uma. Hesitará em pagar o preço dela? Não. Suponhamos, porém, que tem quatro bolas, e lhe surge a oportunidade de comprar uma quinta. Apressa-se com a mesma rapidez a pagar o preço pedido? Realmente, não. A utilidade marginal das bolas caiu, para ela, tanto que provavelmente nem se preocupa em comprar uma quinta bola.
Quanto mais temos de uma coisa, tanto menos desejamos da mesma coisa. Se tivermos dez ternos de roupa, é evidente que um novo terno significará muito menos do que um segundo terno para quem só tenha um. Jevons formula a mesma idéia, usando a água como ilustração. “A água, por exemplo, pode ser classificada como a mais útil de todas as substâncias. Um litro de água por dia tem a grande utilidade de salvar uma pessoa de morte horrível. Vários litros por dia têm muita utilidade para cozinhar e lavar; mas depois de assegurado uni abastecimento suficiente para essas utilidades, qualquer quantidade adicional é indiferente. Tudo o que podemos dizer é que a água, — até certa quantidade, é indispensável; que quantidades maiores terão graus variáveis de utilidade, mas que além de certo ponto a utilidade parece cessar... ...os mesmos artigos variam de utilidade segundo tenhamos mais ou menos quantidade desses artigos.”  296
Essa idéia da utilidade marginal é usada para explicar a diferença entre pão e diamante, por exemplo. À primeira vista, poderíamos pensar que o pão deveria custar mais que os diamantes, por ser de muito mais utilidade. Mas a oferta de pão é tão grande que um ou dois pães a mais não fazem diferença, ao passo que a oferta de diamantes é tão pequena em relação ao número de pessoas ricas dispostas a pagar muito por eles, que seu preço é bem alto.
O argumento de que a utilidade não corresponde ao valor, pois de outro modo o ferro custaria mais do que o ouro, confunde irremediavelmente a importância do todo de uma mercadoria com a média comum de avaliação, a unidade da mercadoria tomada isoladamente e vendida isoladamente. As finalidades a que a mercadoria útil atende são concebidas como todas as finalidades, tomando-se todas em conjunto... ...O mundo diz Cairnes, viveria melhor sem ouro do que sem ferro — ou seja, melhor sem nenhum ouro do que sem nenhum ferro. Mas se tomarmos a utilidade aos montes, por assim dizer, certamente devemos tomar o valor das coisas da mesma forma. Assim fazendo, a suposta oposição entre utilidade e valor prontamente desaparece, já que o mundo, como um todo, teria de comprar todo o ferro de um monte, ou não ter ferro algum, e comprar todo o ouro de outro monte, ou não ter nenhum; e nesse caso o valor de (todo) o ferro seria maior do que o valor de (todo) o ouro.
“A confusão... ...entre a mercadoria como um todo e a unidade da mercadoria comprada e vendida é mais evidente na comparação de um diamante com o carvão. Os semelhantes é que deviam ser comparados: o carvão como um todo não só é útil, como mais valioso do que os diamantes como um todo.” 297
Mas apesar do que dissessem os economistas — e suas polêmicas são infindáveis, nesta e em outras questões — e da teoria que predominasse no momento, os capitalistas compreenderam que, qualquer que fosse a razão, se controlassem a oferta de um artigo, poderiam controlar também seu preço. O valor de uma mercadoria poderia cair, se ela fosse produzida em menor tempo, ou se sua quantidade aumentasse, reduzindo, portanto, a sua utilidade marginal, mas não havia dúvida de que a manipulação da oferta dava o poder de fixar os preços. E o poder de fixar os preços afeta os lucros.
Se 5.000 mercadorias podem ser produzidas ao cisto de $10 por unidade, e vendidas a $11, isso dá um lucro total de $5.000, ou seja, 10% sobre o capital investido. Se forem produzidas apenas 4.000, o custo de produção se eleva a $10,50, mas se o preço for elevado a $12,50, o lucro total será de $8.000, ou 19%. A companhia que controlar a oferta pode, portanto, regulá-la de modo a proporcionar o maior lucro. Não se preocupará em produzir mais artigos para satisfazer uma procura maior a preços mais baixos, a menos que com isso possa aumentar os lucros. A economia da produção em massa pode produzir 100.000 artigos a $7 cada, e o mercado pode absorvê-los a $8 cada. Mas isso dá apenas 14% de lucro!
O leitor se lembrará de que os mercadores holandeses, no século XV reduziram a produção de especiarias, a fim de manter seu preço. Esses antigos monopólios desapareceram, mas veremos como outros, muito mais poderosos, surgiram no mundo moderno quando a produção de mercadorias tornou-se tão grande que houve o perigo de se reduzirem demasiado os preços, eliminando os lucros.
Os industriais da Inglaterra se aproveitaram de seu avanço na Revolução Industrial. Na primeira metade do século XIX o problema na Inglaterra não era onde vender os artigos manufaturados, mas como produzi-los com suficiente rapidez para atender aos pedidos que vinham de todo o mundo conhecido. Mas durante o último quartel do século XIX ocorreu uma modificação importante. A política do comércio livre, defendida pela Inglaterra, não “pegou” nos Estados Unidos, onde, como o leitor estará lembrado, uma tarifa protetora foi posta em prática quase que imediatamente após a independência do país. As tarifas protetoras elevaram-se nos Estados Unidos, após a Guerra Civil. Na Rússia, uma tarifa protetora geral foi adotada em 1877; na Alemanha, em 1879; na França, em 1881. Os industriais ingleses já não tinham um campo aberto — suas mercadorias experimentavam dificuldades em pular essas barreiras tarifárias. Os melhores fregueses da Inglaterra já não precisavam comprar-lhe os produtos — podiam fabricá-los, podiam atender às próprias necessidades. Atrás dos muros tarifários, indústrias incipientes transformavam-se em indústrias “gigantescas”.
Isso, literalmente. A partir de 1870 entramos num período de trustes nos Estados Unidos, de cartéis na Alemanha. A concorrência foi substituída pelo monopólio. Os pequenos negociantes foram expulsos do mercado pelos grandes. O pequeno negócio foi esmagado pelo grande negócio, ou com ele se fundiu para fazer um negócio ainda maior. Em toda parte houve crescimento, fusão, concentração — indústrias gigantescas se formavam, indústrias que buscavam o monopólio.
A substituição gradual da concorrência pelo monopólio não foi uma imposição externa, mas uma evolução da própria concorrência, O monopólio surgiu de dentro da concorrência — uma ilustração da verdade de que cada sistema, ou acontecimento, traz em si as sementes da transformação. O monopólio não foi um invasor estranho que atacasse e conquistasse a concorrência. Foi um crescimento natural da própria concorrência.
O leitor conhece a história da revolução nos meios de comunicação e transporte que se seguiu ao período da Guerra Civil nos Estados Unidos. Construíram-se novas e melhores ferrovias, navios a vapor maiores e melhores navegavam pelos rios e oceanos; o telégrafo foi aperfeiçoado e seu uso generalizou-se. Com meios de comunicação e de transporte rápidos, regulares e baratos, foi possível e econômico reunir os elementos necessários à produção e concentrá-los numa localidade. Com o tremendo avanço na tecnologia, com mais patentes de máquinas eficientes, foi possível a produção em massa e maior divisão do trabalho. Chegara a época da produção em grande escala, que levaria à redução do custo por unidade ao mesmo tempo que aumentava a produção. Foi finalmente possível à Combinação entrar no campo da batalha — e conquistar a vitória.
O que era possível foi feito.
Negócio é luta. Pergunte aos homens de negócios. Ora, todos sabem que na luta os mais fortes vencem os mais fracos. Também nos negócios ocorreu isso. Duas companhias concorrem num certo ramo. Uma dá um golpe na outra, reduzindo seus preços. Esta reage, reduzindo-os ainda mais. E assim por diante. Golpes — na forma de redução de preços — são trocados. Dentro em pouco, os preços estão abaixo do custo de produção. Quem ganhará a luta? É evidente também que quanto maior a escala de produção, tanto menores os custos. Isso significa que as companhias maiores e mais fortes têm vantagem inicial. Mas é a capacidade de resistir que conta. E a capacidade de resistir, nessa luta, é medida pelas reservas de capital, que determinam o tempo de resistência. A firma com maior volume de capital é a mais forte. Os preços reduzidos a deixam assustada, mas deixam seu adversário tonto, e, dentro em pouco, completamente derrotado. Marx, que provavelmente nunca viu uma luta de boxe, tinha um lugar permanente nessa luta contínua entre os negócios. Assim a descreveu: “A batalha da concorrência é disputada com o barateamento das mercadorias. O preço da mercadoria depende... ...da produtividade do trabalho, e essa, novamente, da escala de produção. Portanto, o capital maior derrota o capital menor... ...A concorrência termina sempre com a ruína de muitos capitalistas pequenos, cujos capitais parcialmente passam às mãos de seus vencedores, e em parte desaparecem.” 298
A última frase indica haver uma diferença entre as lutas comuns e as lutas de negócios. Nas primeiras, o lutador é derrotado e o vencedor deixa o “ring” procurando conquistas novas e mais lucrativas. Na segunda, o vencedor faz o mesmo — mas freqüentemente, antes de deixar o “ring”, age como um canibal. Engole o derrotado, e se retira mais forte do que nunca, pronto a enfrentar outros.
Quanto maior ele se torna, tanto mais difícil é derrotá-lo. Outros lutadores tentam — e perdem. O vencedor se torna campeão. Ninguém pode enfrentá-lo — pelo menos, durante algum tempo.
Os trustes se formaram da livre concorrência. Por vezes a luta foi decente, por vezes desleal (mesmo do ponto de vista do mundo comercial, que aprendeu a levar golpes abaixo da cintura). Decente ou não, foi uma luta amarga. Os homens que perderam ficaram freqüentemente arruinados. Não podiam lutar novamente, alguns enlouqueceram, outros se suicidaram.
Mas uma autoridade no assunto, John D. Rockefeller, Jr., filho do maior organizador de trustes, acha que o resultado valeu a pena. Numa conferência perante os estudantes da Brown University sobre os trustes, disse ele: “A rosa American Beauty só pode ser produzida, com todo o seu esplendor e fragrância, sacrificando-se os primeiros botões que nascem à sua volta.”  299
A primeira “American Beauty” envolvida pelo truste foi o petróleo Em 1904 a Standard Oil Company controlava mais de 86% do petróleo refinado para iluminação, em todo o país. O que aconteceu com o petróleo aconteceu também com o aço, açúcar, uísque, carvão e outros produtos. Os trustes foram formados em toda parte, tentando colocar a ordem monopolista no caos da concorrência.
Eram gigantescos. Eram eficientes. Eram poderosos. Por serem tudo isso, podiam reduzir os custos pela economia de produção, venda e administração. fizeram o possível para eliminar a concorrência. Tentaram obter o controle da produção das mercadorias para poder fixar a distribuição e o preço. Fizeram uma coisa ou outra, ou ambas — desde que houvesse maior lucro. Segundo os estudiosos do movimento, eles se interessavam apenas pelos maiores lucros: “O truste é qualquer forma de organização industrial, na produção e distribuição de qualquer mercadoria, que dispõe de controle bastante da oferta dessa mercadoria para modificar o preço em seu favor.”  300
O truste podia “modificar o preço em seu favor”. Também as outras organizações em grande escala. O truste era americano. “Pools”, combinações, cartéis, eram outras formas de monopólio que se tornaram comuns, tanto nos Estados Unidos como em outros países. O cartel era mais comum na Alemanha. “O termo cartel designa uma associação baseada num acordo contratual entre industriais do mesmo ramo que, embora conservando sua independência legal, se associam com o objetivo de exercer uma influência monopolizadora no mercado.” 301
Isso significava simplesmente que os vários grandes produtores ao invés de realizarem uma guerra de extermínio pela redução de preços, se combinavam numa companhia, permanecendo como organizações separadas, mas sem concorrer entre si: concordavam na divisão do mercado e nos preços. O caso específico do cartel do carvão do Rur mostra como se fazia a coisa: “Um sindicato, ou companhia, central para vendas foi organizado... ...suas ações foram atribuídas a companhias separadas. Esse sindicato era o único agente para a venda do carvão. Obtinha estatísticas das companhias de carvão isoladas. Nomeava uma Comissão Executiva que fazia certas disposições para um preço e um pagamento uniformes. Os donos de minas vendiam todo o seu carvão e coque ao sindicato... ...Este fixava penalidades para a quebra do acordo e impunha uma política comum. O sindicato nomeava uma comissão para determinar a proporção da produção de cada mina... ...Fixava um preço de venda mínimo e, ao vender em distritos concorrentes, vendia por tal preço; nos distritos não-concorrentes, vendia abaixo ou acima do preço, segundo a procura e a oferta existentes.” 302
Na Inglaterra também houve essa tendência de formarem os grupos concorrentes associações para eliminar a concorrência entre si. Deixemos que as várias testemunhas que compareceram à Comissão Sobre os Trustes falem: “Nossa associação foi formada com o propósito de regulamentar o comércio e evitar concorrência desnecessária
“Nossa associação foi formada com a finalidade de estabelecer os preços e como meio de evitar sua redução, que ocorria em grandes proporções antes da sua formação, resultando isso na ausência de lucros, em lugares muito pequenos, para a maioria das firmas...
“A concorrência era tão severa... ...que ninguém podia ganhar com o comércio. Os fabricantes produziam mais do que o realmente necessário, e se preocupavam apenas em destruir os concorrentes.”
Depois de ouvir as testemunhas, a comissão chegou a esta importante conclusão: “Verificamos haver atualmente (1919) em todo ramo importante da indústria do Reino Unido uma crescente tendência à formação de Associações de Comércio e de Combinações, com o objetivo de limitar a concorrência e controlar os preços.”
A última linha revela toda a história — “limitar a concorrência e controlar os preços”. Essa prática estava muito longe da teoria tradicional dos economistas clássicos — a teoria de que a concorrência entre produtores e vendedores de mercadorias manteria os preços ao custo de produção (inclusive com razoável margem de lucro). A teoria de que se cada pessoa procurasse apenas seu interesse individual, a oferta de qualquer artigo se ajustaria à procura, pelo preço certo.
Com o crescimento do monopólio, a oferta e a procura não se ajustaram — foram ajustadas. Com o crescimento do monopólio, os preços não se estabeleceram através da concorrência no mercado livre — o mercado deixou de ser livre e os preços foram fixados.
Além do monopólio na indústria, houve outro, igualmente importante, ou talvez mais — o monopólio dos bancos. Marx o previra, ao dizer que com a “produção capitalista uma nova força entra em jogo, sistema de crédito. Não só constitui em si uma arma nova e poderosa na batalha da concorrência. Por fios ocultos, além disso, esse sistema saca o dinheiro disponível, espalhado em grandes ou pequenas massas pela superfície da sociedade, passando-o às mãos dos capitalistas individuais ou associados. É a máquina especifica para a centralização dos capitais.”
A indústria se fazia principalmente a crédito, de modo que os financistas que controlavam o sistema de crédito tinham o poder. Quando os industriais, grandes ou pequenos, monopolistas ou não, desejavam dinheiro para ampliar seus negócios, tinham de ir, chapéu na mão, aos banqueiros. Quando um grupo desejava iniciar um negócio e resolvia vender ações para levantar o dinheiro, tinha de ir, chapéu na mão, aos banqueiros, cuja função era de colocar essas ações. Precisava-se de dinheiro em toda parte, e o dinheiro da nação se encontrava nos cofres dos banqueiros — ou nalgum lugar a que só eles tinham acesso.
Quanto mais dinheiro controlassem os banqueiros, tanto maior o seu poder. Surgiu em todo grande país industrial um Truste do Dinheiro. A era do monopólio na indústria foi a era do monopólio bancário também. As palavras de Woodrow Wilson, na época governador de New Jersey, mostram ser isso verdade, pelo menos em 1911: “O grande monopólio neste país é o monopólio do dinheiro. Enquanto existir isso, nossas idéias de variedade, liberdade e energia individual de desenvolvimento estão fora de cogitação. Uma grande nação industrial é controlada pelo seu sistema de crédito. Nosso sistema de crédito é concentrado. O crescimento da nação, portanto, e todas as nossas atividades, estão nas mãos de uns poucos homens.” 303
Freqüentemente acontecia serem esses “poucos homens”, os financistas, os mesmos que chefiavam os monopólios industriais. Havia as “direções interligadas”, o que significava estarem os homens importantes do mundo bancário nas juntas diretoras dos grandes trustes ou companhias gigantescas, nas quais estavam “interessados” — ou seja, nas quais seus bancos investiam grandes somas.
Essa ligação não precisava ser tão íntima. Bastava que os banqueiros controlassem os cordões da bolsa — isto lhes dava o poder de ditar políticas às firmas industriais. Isso ficou claramente demonstrado numa carta enviada em 1901 por um dos “Quatro Grandes” dos bancos de Berlim ao conselho de diretores de um sindicato do cimento alemão: “Sabemos... ...que a próxima assembléia geral dessa companhia poderá tornar medidas suscetíveis de alterar seus empreendimentos, com o que não podemos concordar. Lamentamos profundamente que, por esse motivo, sejamos obrigados a retirar o crédito que lhes vimos concedendo. Se a assembléia geral acima referida não tomar qualquer decisão que nos seja inaceitável, e se recebermos garantias aceitáveis quanto ao assunto, para o futuro, não teremos objeções em negociar a abertura de novos créditos.”  304
Se os financistas se podiam dirigir dessa forma a um grande sindicato, imagine-se o controle que exerciam sobre as pequenas empresas do mundo industrial.
A situação foi muito bem descrita pelo juiz da Corte Suprema, Louis D. Brandeis, num livro escrito em 1912, e adequadamente intitulado Other People’s Money. Disse ele: “O elemento dominante em nossa oligarquia financeira é o banqueiro de investimentos. Bancos associados, companhias de trustes, e companhias de seguros de vida, são seus instrumentos. Ferrovias controladas, serviços públicos e empresas industriais são seus clientes. Embora não passem de intermediários, esses banqueiros posam de donos do mundo comercial da América, de tal modo que nenhuma empresa grande pode ser lançada com êxito sem a sua participação ou aprovação. Tais banqueiros são, decerto, homens capazes, possuidores de grandes fortunas; mas o fator mais poderoso do seu controle das atividades comerciais não é a posse de uma habilidade extraordinária ou de uma fortuna imensa. A chave de seu poder é a Combinação — a concentração intensiva e geral”  305
Depois de 1870, o capitalismo à antiga passou a ser o capitalismo moderno, O capitalismo da livre concorrência tornou-se o capitalismo dos monopólios. Essa modificação foi de tremenda importância.
A indústria em grande escala e monopolista trouxe um desenvolvimento das forças produtivas muito maior do que antes. A capacidade industrial de produzir mercadorias cresceu num índice muito mais rápido do que a capacidade de consumo dos habitantes do país. (Isso significava, naturalmente, o consumo com lucro — o povo pode sempre usar mais mercadorias, mas nem sempre pode pagar por elas.)
Os monopolistas estavam na situação interna de regular a oferta para estabelecer a procura, e foi o que fizeram. Era uma prática comercial inteligente, que lhes proporcionou altos lucros. Mas deixava uma boa parte da capacidade produtiva de suas fábricas parada, e essa situação tende sempre a dar aos capitães da indústria uma dor de cabeça. Não queriam fazer apenas mercadorias para vender internamente. Queriam usar suas fábricas permanentemente para produzir o máximo de mercadorias. Para tanto, tinham de vendê-las fora do país. Tinham de encontrar mercados estrangeiros que absorvessem os excedentes de suas indústrias.
Onde encontrá-los? Podiam tentar despejar suas mercadorias noutras nações ricas, como a Inglaterra fizera durante anos. Mas as altas tarifas protetoras aumentavam cada vez mais, e atrás delas os concorrentes haviam podido controlar o mercado dos respectivos países. Vejamos essa queixa de Jules Ferry, primeiro-ministro francês em 1885: “O que falta às nossas indústrias, o que lhes falta cada vez mais, são mercados. Por que? Porque... ...a Alemanha se está protegendo com barreiras; porque, além do oceano, os Estados Unidos da América se tornaram protecionistas, e a um grau extremo.” 306
Nações como a Alemanha e os Estados Unidos já não eram um mercado livre, para as mercadorias de outros países — elas mesmas estavam concorrendo em busca dos mercados mundiais. A situação era séria. Dentro das grandes indústrias, a capacidade de produzir superava a capacidade de consumir. Todas tinham um excedente de mercadorias manufaturadas, para as quais necessitavam encontrar mercados externos.
Onde encontrá-los?
Havia uma resposta — colônias.
Estamos tão acostumados a ver o mapa da África colorido em vários tons, para mostrar a propriedade dos diferentes países europeus, que facilmente nos esquecemos de que nem sempre foi assim. Há praticamente 70 anos toda a África pertencia aos que nela habitavam. Foi na era do capitalismo monopolista que os excedentes industriais se apresentaram como um problema aos capitães da Indústria, em toda parte. Julgaram ter encontrado a resposta do problema nas colônias. E foi então que o mapa da África sofreu modificações.
David Livingstone, famoso missionário-explorador, perdeuse no coração da África. Gordon Bennett, o dono do New York Herald, mandou Henry Morton Stanley à África para encontrá-lo. Que missão! E, milagre dos milagres, Stanley teve êxito. Não só encontrou Livingstone, como também fez novas explorações. Pronunciou, mais tarde, uma série de conferências sobre suas explorações. Podemos ter a certeza de que interessou ao seu público. Podemos ter certeza, também, de que os mais atentos foram os negociantes de algodão de Manchester e os fabricantes de ferro de Birmingham que o ouviram dizer: “Há 40 milhões de pessoas atrás do portão de entrada do Congo, e os industriais têxteis de Manchester esperam para vesti-las. As fundições de Birmingham luzem com o metal vermelho que será transformado em artigos de ferro para eles, e adornos para seus peitos; os ministros de Cristo estão ansiosos para trazê-los, pobres pagãos ingênuos, ao seio do cristianismo.” 307
Stanley sugeria aos preocupados capitães da indústria uma saída ao dilema do que fazer com o excedente de suas manufaturas. As colônias — esta era a resposta.
Os capitães da indústria de outros países descobriram a mesma resposta para seu problema, na mesma época. Depois de 1870, a Inglaterra, França, Bélgica, Itália e Alemanha se uniram numa busca de colônias como mercado para produtos excedentes. A vez da América chegaria em 1898. Naquele ano, o senador republicano Albert J. Beveridge disse a um grupo de lideres comerciais de Boston: “As fábricas americanas estão produzindo mais do que o povo americano pode usar; o solo americano está produzindo mais do que o povo pode consumir. O destino escolheu para nós a política a adotar; o comércio do mundo deve ser, e será, nosso. E o conseguiremos, pois nossa mãe (Inglaterra) nos disse como. Estabeleceremos postos comerciais em todo o mundo, como pontos de distribuição dos produtos americanos. Cobriremos o oceano com nossa marinha mercante. Construiremos uma marinha na medida de nossa grandeza. Grandes colônias, governando a si mesmas, usando nossa bandeira e comerciando conosco, crescerão em torno de nossos postos comerciais.”  308
Além de constituírem um mercado para os artigos excedentes, as colônias poderiam ter outra utilidade. A produção em grande escala necessita de grande suprimento de matérias-primas. Borracha, petróleo, nitratos, açúcar, algodão, alimentos tropicais, minerais — essas, e muitas outras, eram as matérias-primas necessárias ao capitalista do monopólio, em toda parte. Os donos das indústrias não queriam depender de outros países para as matérias-primas que lhes eram essenciais. Desejavam controlar ou possuir as fontes dessas matérias-primas. Uma das últimas aventuras imperialistas, a da Itália na Etiópia, teve isso como causa, segundo o New York Times: de 8 de agosto de 1935:
ITÁLIA PLANTARÁ ALGODÃO NA ETIÓPIA
Acredita   que   as   colheitas  desse  produto
e do café bastarão para seu consumo interno
Citam-se Grandes Importações
ROMA, 7 de agosto — As principais esperanças de lucro que a Itália tem na Etiópia baseiam-se no desenvolvimento de produtos que podem afetar seu comércio com a América do Norte e do Sul — algodão e café.
Quaisquer que sejam as esperanças de ouro, minério de ferro, platina, cobre e outros minérios, a Itália tem razões para acreditar que o algodão e o café compensarão os bilhões de liras que gastou na África Oriental.
As importações de algodão italianas são em média de 740 milhões de liras anuais, pagas principal mente aos Estados Unidos e as de café são de cerca de 185 milhões — um total de cerca de um bilhão de liras, representando 13.5% das importações totais do país.
Portanto, o desejo de controlar as fontes de matérias-primas foi um segundo fator do imperialismo. O primeiro sabe o leitor foi a necessidade de encontrar mercado para os artigos excedentes. Havia outro excedente, também buscando um mercado adequado, e que constituiu a terceira e talvez mais importante causa do imperialismo. Foi o excesso de capital.
A indústria monopolista trouxe grandes lucros a seus donos. Superlucros. Mais dinheiro do que eles poderiam usar. Parece incrível, mas em certos casos os lucros foram tão grandes que os organizadores de trustes não poderiam gastá-los todos, mesmo que tentassem.
Não tentaram. Economizaram o dinheiro — e o mesmo fizeram outros milhões de pequenos poupadores, que colocavam seu dinheiro em bancos, companhias de seguro, empresas de investimentos etc. O resultado foi uma superacumulação de capital.
Isso parece engraçado. Como é possível haver dinheiro demais? Não haveria outras formas para a utilização do capital? Certamente era preciso construir estradas, levantar hospitais, havia favelas a derrubar para em seu lugar construir casas decentes. Certamente havia mil e uma coisas a fazer com o dinheiro, não?
Havia. As áreas rurais precisavam de melhores estradas, os trabalhadores precisavam de casas decentes e os pequenos negócios queriam expandir-se; mesmo assim, os economistas falam de capital “excedente”. E não há dúvida disso — milhões de dólares (e francos, libras e marcos) estavam sendo exportados para outras terras.
Por que?
Porque o capital não pergunta: “O que é preciso fazer?” Nada disso. Pergunta: “Quanto posso conseguir pelo meu dinheiro?” A resposta a essa segunda pergunta determina onde será investido o excedente. Lênin, discípulo de Marx e líder da Revolução Russa, explicou isso em seu livro Imperialismo, escrito em 1916: “Não é preciso dizer que se o capitalismo pudesse desenvolver a agricultura, que hoje está atrasada em relação à indústria, em toda parte, se pudesse elevar o padrão de vida das massas... ...não seria possível falar em excedente de capital...  ...Mas então o capitalismo não seria capitalismo... ...Enquanto o capitalismo continuar capitalismo, o capital excedente não será usado com o objetivo de elevar o padrão de vida das massas, pois isso significaria uma queda nos lucros dos capitalistas: ao invés disso, será usado para aumentar os lucros pela exportação do capital para o exterior, para os países atrasados. Nesses, os lucros são habitualmente altos, pois o capital é escasso, o preço da terra é relativamente baixo, os salários são baixos e a matéria-prima é barata.”  309
Foi o que aconteceu. O capital excedente, que precisava de um escoadouro, encontrou-o nos países atrasados — as colônias. Países que necessitavam de estradas de ferro, eletricidade, gás, rodovias etc., países ricos de recursos naturais, onde “concessões” de minas e plantações eram conseguidas — foi nessas áreas coloniais que o capital excedente encontrou oportunidades para investimento lucrativo.
Mas isso não é tudo. Além dos lucros obtidos diretamente com o investimento, os empréstimos eram feitos de tal maneira que grande parte deles tinha de ser gasta na metrópole. Assim, quando a Inglaterra fez empréstimos à Argentina para a construção de ferrovias, a maioria dos trilhos, material rolante etc., foi comprada na Inglaterra — com lucro para os fabricantes ingleses. A exportação do capital excedente trouxe, nesse caso, também, lucro para os industriais ingleses. A exportação do capital excedente levou à exportação de mercadorias excedentes, também. Assim, tanto o investidor como o industrial verificaram ser de seu interesse colaborar na política de controlar ou tomar áreas coloniais. Este foi um dos aspectos da aliança entre a finança e a indústria que caracteriza a moderna sociedade econômica a tal ponto que tem sido chamada de idade do capital financeiro. Isso significa que as finanças — o controle de vastas somas de capital mais a indústria, que utiliza esse capital com objetivos de lucro — constituem a força dominante do mundo de hoje.
A aliança da indústria e da finança em busca de lucros nos mercados para produtos e capital foi a mota principal do imperialismo. Disse J. A. Hobson, em 1902, ao publicar seu estudo pioneiro sobre o assunto: “O imperialismo é a tentativa dos grandes controladores da indústria de ampliar o canal para o fluxo de sua riqueza excedente, procurando mercados estrangeiros e investimentos estrangeiros que consumam as mercadorias e o capital que não podem vender ou empregar internamente.”  310
Esse é o porquê do imperialismo. Como os controladores da indústria “ampliam o canal para o fluxo de sua riqueza excedente” é outra história que o leitor provavelmente conhece. Tem havido muitas formas — os últimos exemplos foram os da “missão civilizadora” da Itália na Abissínia, ou a “penetração” do Japão na China. Antigamente, no último quartel do século XIX, particularmente na África, o processo era mais simples. “Em quase todos os casos, os primeiros passos no sentido da divisão e incorporação do território africano aos Estados europeus eram dados pelos homens de negócios ou companhias capitalistas, trabalhando em cooperação com exploradores ou com agentes próprios, O processo habitual era o explorador ou agente penetrar no interior, a alguma distância da costa, e induzir os chefes ou reis, com ofertas de roupas ou álcool, a assinar os chamados tratados com as sociedades anônimas. Segundo esses tratados, os chefes africanos, cuja assinatura consistia de uma cruz, cediam todo o seu território às sociedades anônimas em troca de alguns metros de fazenda ou alguma garrafa de gim. Quase todas as possessões da África central cedidas aos Estados europeus têm por base esses acordos Em menos de 20 anos, toda a África Central foi dividida e incorporada aos Impérios da Grã-Bretanha, França, Alemanha, Bélgica, Portugal e Itália.”  311
Por vezes, esses astutos exploradores — comerciantes — capitalistas julgavam honestamente que, roubando o país de seus habitantes, estavam realizando uma missão divina, para o bem dos nativos. Cecil Rhodes, um dos maiores construtores de impérios, assim pensava. Pelo menos, era o que dizia: “Sustento que somos a primeira raça no mundo, e quanto mais do mundo habitarmos, tanto melhor será para a raça humana... Se houver um Deus, creio que Ele gostaria que eu pintasse o mapa da África com as cores britânicas.” 312
Os nativos dos territórios conquistados eram, freqüentemente, bem peculiares. Pareciam não compreender que os atos do homem branco eram para o seu bem. Ficavam confusos com o que um grupo de homens brancos — os missionários — lhes pregava, e com o que outro grupo — os capitalistas — lhes fazia. Por vezes, em sua ignorância se revoltavam, e então, infelizmente, era necessário dar-lhes uma lição. Dentro em pouco grandes navios brilhantes da metrópole penetravam em seus portos. Vinham cheios de soldados com fuzis, bombas e metralhadoras — as armas da civilização — e a lição era dada.
E com o auxílio da força militar do governo metropolitano. Os governos, sempre prontos a “proteger as vidas e propriedades” de seus súditos, ajudavam também de outros modos. Assim, por exemplo, para ajudar no custo da administração, da construção de hospitais, escolas, estradas etc., para a colônia, o governo instituía um imposto que os nativos tinham de pagar em dinheiro. Ora, os nativos não tinham dinheiro. Mas havia uma solução — poderiam ganhá-lo trabalhando nas plantações ou nas minas dos proprietários brancos. É certo que os salários eram miseravelmente baixos; era certo, também, que os nativos se podiam alimentar sem trabalhar nas minas ou plantações. Mas o imposto tinha de ser pago — o que significava que tinham de trabalhar. O que aconteceria se não pagassem? Um observador das condições nas colônias francesas da África Ocidental, em 1935, conta-nos qual o remédio para o não-pagamento: “Uma aldeia do Sul do Sudão não pôde pagar os impostos; mandaram para lá guardas nativos, que levaram todas as mulheres e crianças da aldeia, colocaram-nas num campo no centro, queimaram as palhoças, e disseram aos homens que só teriam suas famílias de volta quando pagassem os impostos.” 313
É impossível falar de modo geral do tratamento dado aos povos coloniais, porque ele variava segundo o momento e o lugar. Mas as atrocidades foram generalizadas — nenhuma nação imperialista tinha mãos limpas. Leonard Woolf, conhecido estudioso do assunto, escreveu: “Tal como nas sociedades nacionais na Europa surgiram no último século classes claramente definidas, capitalistas e trabalhadores, exploradores e explorados, também na sociedade internacional surgiram classes claramente definidas, as potências imperialistas do Ocidente e as raças escravas da África e do Oriente, umas governando e explorando, outras governadas e exploradas.”  314
Compreenda o leitor — o país não precisa tornar-se colônia para ser “governado e explorado”. Quando os países atrasados não eram imperializados diretamente, eram levados para as “esferas de influência” — como por exemplo a China na qual todas as grandes potências tinham interesses reconhecidos. Ou a América do Sul, que foi mais ou menos dividida entre a Inglaterra e os Estados Unidos. Esses dois países, sem dominarem abertamente qualquer república sul-americana, estavam sempre prontos a fornecer-lhes capital, usando-os como instrumentos para obter certos direitos lucrativos, por tratados, ou pelas concessões formais. E nesses casos deixava-se sempre bem claro que havia cruzadores, aviões e batalhões prontos a impor a execução da concessão, ou o comércio monopolista exclusivo.
Não foi por acaso que os governos correram em auxílio de seus industriais e banqueiros em sua busca de mercados para produtos e capitais. Um observador das questões britânicas em 1921 julgou isso inevitável. ‘O comércio britânico no momento, no outono de 1921, está sob o controle de grandes grupos, governados e dirigidos pelos grandes trustes bancários, e do dinheiro cujo poder é tão grande que lhes dá, em todos os casos, controle das alavancas que põem em movimento o comércio. Mais do que isso, seu poder de aconselhar o Governo é tal que... ... o Governo (composto como é hoje das classes endinheiradas) não pode agir senão com a concordância dos trustes do dinheiro”  315
Isso, na Inglaterra. Para o Presidente Taft, nos Estados Unidos, o caminho da justiça era realmente reto, mas não era estreito — havia nele espaço para a intervenção em defesa de “nossos capitalistas”: “Embora a nossa política externa não se deva afastar nem um milímetro do caminho reto da justiça, ela bem pode incluir a intervenção ativa para assegurar à nossa mercadoria e aos nossos capitalistas a oportunidade de investimento lucrativo.”  316
Uma vez empenhados numa intervenção em defesa de “nossos capitalistas”, os governos se viram a braços com uma longa jornada. O capital, como o homem do trapézio volante, “flutua no ar com a maior facilidade” não sendo fácil acompanhá-lo para garantir sua segurança. O General Smedley D. Butler recebeu parte dessa tarefa. A descrição que dela faz é interessante — discorda do Presidente Taft quanto à possibilidade de se conservar na trilha da justiça e ao mesmo tempo intervir a favor dos Grandes Negócios: “Passei 33 anos e 4 meses no serviço ativo, como membro da mais ágil força militar do meu País — o Corpo de Fuzileiros Navais. Servi em todos os postos, desde segundo-tenente a general. E, durante tal período, passei a maior parte de meu tempo como guarda-costas de alta classe, para os homens de negócios, para Wall Street e para os banqueiros. Em resumo, fui um quadrilheiro para o capitalismo...
“Foi assim que ajudei a transformar o México, especialmente Tampico, em lugar seguro para os interesses petrolíferos americanos, em 1914. Ajudei a fazer de Cuba e Haiti lugares decentes para que os rapazes do National City Bank pudessem recolher os lucros... ...Ajudei a purificar a Nicarágua para os interesses de uma casa bancária internacional dos Irmãos Brown, em 1909-1912. Trouxe a luz à Republica Dominicana para os interesses açucareiros norte-americanos em 1916. Ajudei a fazer de Honduras um lugar ‘adequado’ às companhias frutíferas americanas, em 1903. Na China, em 1937, ajudei a fazer com que a Standard Oil continuasse a agir sem ser molestada.
“Durante todos esses anos eu tinha, como diriam os rapazes do gatilho, uma boa quadrilha. Fui recompensado com honrarias, medalhas, promoções, Voltando os olhos ao passado, acho que poderia dar a Al Capone algumas sugestões. O melhor que ele podia fazer era operar em três distritos urbanos. Nós, os fuzileiros, operávamos em três continentes.”  317
Podemos deduzir pelas experiências do General Butier que o imperialismo, iniciado em fins do século X continua vivo. E de forma intensificada. É fácil, porque assim é. O monopólio na indústria não está desaparecendo. Está aumentando. E com ele, como já vimos, cresce o imperialismo.
Num estudo esclarecedor da Modern Corporation and Private Property feito por dois entendidos no assunto, encontramos alguns fatos e dados surpreendentes sobre o tamanho, riqueza e controle das modernas companhias gigantes da América de hoje. Há nos Estados Unidos cerca de 300.000 empresas não-bancárias. Mas, desse número, cerca de 200 controlam metade da riqueza das sociedades anônimas! Dessas 200, apenas 15 têm ativos superiores a um bilhão de dólares cada. E uma delas, a American Telephone and Telegraph Company, “controla maior riqueza do que a existente dentro das fronteiras de 21 dos Estados do país”.  318
Mas talvez a melhor forma de compreender até que ponto dominam os monopólios seja ver o que dizem os autores do estudo acima mencionado sobre o modo pelo qual nossa vida diária é afetada permanentemente por algumas das 200 companhias maiores. “Essas grandes companhias formam a estrutura mesma da indústria americana. As pessoas têm de entrar em contacto com elas quase constantemente... ...estão continuamente aceitando seus serviços. Se viajamos qualquer distância, quase que certamente o faremos por uma das grandes ferrovias. A máquina que puxa o trem provavelmente terá sido construída pela American Locomotive Cornpany ou pela Baldwin Laco- motive Works; o carro em que nos sentamos deve ter sido feito pela American Car and Foundry Company ou uma de suas subsidiárias... ...Os trilhos quase certamente terão sido fornecidos por uma das 11 companhias de aço da lista; e o carvão bem pode ter vindo de uma das 4 companhias, quando não de uma mina de propriedade da própria estrada de ferro. Talvez a pessoa prefira viajar de automóvel — num carro fabricado pela Ford, General Motors, Studebaker ou Chrysler com pneus fornecidos pela Firestone, Goodrich, Goodyear ou United States Rubber Company...
“Ou, por outro lado, talvez fique em casa, em relativo isolamento e intimidade. Que significam para ela as 200 maiores companhias, então? Seu gás e eletricidade quase certamente serão fornecidos por uma delas; o alumínio de seus utensílios de cozinha será da Aluminum Company of America. O refrigerador elétrico pode ser produto da General Motors Company, ou de uma das suas grandes companhias de equipamentos elétricos, a General Electric e a Westinghouse Electric. É possível que a Crane Company tenha fornecido os encanamentos, a American Radiator and Standard Sanitary Corporation o equipamento de calefação; provavelmente comprará pelo menos parte de seus comestíveis na Great Atlantic and Pacific Tea Company... ...E alguns dos produtos farmacêuticos que usa vem, direta ou indiretamente, da United Drug Company. As latas de seus comestíveis poderão ter sido feitas pela American Can Company; o açúcar pode ter sido refinado por uma das grandes companhias, a carne provavelmente terá sido preparada pela Swift, Arniour ou Wilson, e os biscoitos pela National Biscuit Company...
“Se procurar distração no rádio, quase necessariamente terá de usar um aparelho fabricado com permissão da Radio Corporation of America. Se for a um cinema, provavelmente verá um filme da Paramount, Fox, ou Warner Brothers (feito em filme Kodak Eastman) num cinema controlado por um desses grupos produtores. Não importa a que tentador anúncio de cigarros sucumba, quase certamente estará fumando uma das muitas marcas das quatro grandes companhias de fumos, e os cigarros serão comprados numa loja de esquina da United Cigar.” 319
Eis — em qualquer coisa, em toda parte — o monopólio. A mesma história é válida para as outras grandes nações industriais do mundo. Ora, o que acontece quando esses vários gigantes, controladores dos respectivos mercados nacionais, se chocam nos mercados internacionais? Fogo! Concorrência — longa, dura, amarga. E em seguida — conversações, associações, cartéis, em base internacional. Os monopólios “capitalistas dividem o mundo não por malícia pessoal, mas porque o grau de concentração a que chegaram os força a adotar esse método a fim de conseguir lucros. E a divisão é feita ‘em proporção ao capital’, ‘em proporção à força’... ...Mas a força varia com o grau de desenvolvimento econômico e político.” 320
Depois que os grupos internacionais dividiram o mercado mundial, pareceria que a competição devesse cessar e tivesse início um período de paz duradoura. Isso não acontece porque as relações de força estão sempre se modificando. Algumas companhias crescem e se tornam mais poderosas, ao passo que outras declinam. Assim, o que em dado momento era uma divisão justa, torna-se injusta mais tarde. Há descontentamento da parte do grupo mais forte, seguindo-se uma luta por uma quota maior. Freqüentemente isso leva à guerra.
O mesmo ocorre no controle político das colônias. Há 70 anos, havia ainda terras livres, não-colonizadas. Hoje, isso não ocorre mais. Para que haja uma nova divisão, os que não tem devem tomar o que ambicionam e — dos que têm. A Alemanha, Itália e Japão desejam colônias hoje. Itália e Japão estão agarrando o que encontram. A Alemanha se está armando — na preparação para agarrar alguma coisa. O imperialismo leva à guerra. *
Mas a guerra não resolve nada de forma permanente. As hostilidades que já não podem ser resolvidas pelas negociações e concessões em torno de uma mesa de conferência não desaparecem quando os argumentos passam a ser os altos explosivos, o gás envenenado, os homens mortos e os cadáveres mutilados. Não. O capitalismo monopolista deve ter seu escoamento de mercadorias e capital excedente, e as hostilidades continuarão enquanto a situação perdurar. A caça de mercados terá de continuar.

Cecil Rhodes, o conhecido imperialista, sentia agudamente esse problema. A aquisição de novos mercados tornou-se parte dele; a anexação de novos territórios era parte de seu sangue. A ambição imperialista se ilustra melhor, talvez, numa declaração por ele feita, certa vez, a um antigo: ‘O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido, conquistado, colonizado. Pense nas estrelas que vemos à noite, esses vastos mundos que jamais poderemos atingir. Eu anexaria os planetas, se pudesse; penso sempre nisso. Entristece-me vê-los tão claramente, e ao mesmo tempo tão distantes.”  321
Rhodes morreu cedo demais. Que pena! Num laboratório do deserto do Novo México, o Prof. R. H. Goddard realiza experiências com um foguete que talvez vá à Lua; numa montanha de Gales a Sociedade Interplanetária Britânica procura aperfeiçoar um foguete capaz de chegar aos planetas. Se Rhodes estivesse vivo!
Não obstante, talvez sua alma encontre consolo no pensamento de que seu espírito ainda sobrevive, mais forte do que nunca. Quando o Homem da Lua saudar o primeiro passageiro na primeira nave espacial, esse passageiro sem dúvida responderá com uma pergunta murmurada no ouvido de seu anfitrião: “Que tal tomar algum dinheiro emprestado para consertar os canais velhos e construir novos? Assine aqui, e meu banco cuidará dos detalhes... ...Pronto... ...Muito obrigado.”



C A P Í T U L O   X X
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NESSAS crises, uma grande parte, não só dos produtos existentes, mas também das forças produtivas anteriormente criadas, é periodicamente destruída. Nessas crises, irrompe uma epidemia que, nas épocas anteriores, teria parecido absurda: a epidemia da .superprodução. A sociedade verifica, de súbito, que regrediu a um estado de barbárie monetária. É como se uma fome, uma guerra universal de devastação, tivesse interrompido o fornecimento de todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem destruídos — e por quê? Porque há civilização demais, meios de subsistência demais, indústria de mais, comércio demais.”  322
Não, isso não foi escrito ontem.
Está no Manifesto Comunista, que Marx e Engel prepararam em 1848. Não era uma profecia ousada, mas a descrição do que acontecia à sociedade capitalista de poucos em poucos anos, já naquela época. E continuou acontecendo, como todos os que tinham mais de dez anos em 1929 o sabem. A citação tem um aspecto familiar porque estamos vivendo na maior crise econômica já conhecida do mundo.
Em todos os períodos da história tem havido crises. Mas há uma nítida diferença entre as surgidas antes do crescimento capitalista e as que apareceram depois. Antes do século XVIII o tipo mais comum de crise era provocado pelo fracasso das colheitas, pela guerra, ou por algum acontecimento anormal; eram caracterizadas pela escassez de alimento e outros artigos necesrios, cujos preços se elevavam. Mas a crise que conhecemos, a crise que começou a existir com o advento do sistema capitalista, não é devida a fatos anormais — parece parte e parcela de nosso sistema econômico; é caracterizada não pela escassez, mas pela superabundância. Nela, os preços, ao invés de subirem, caem.
O leitor conhece as outras características das crises e depressões — desemprego, tanto do trabalho como do capital, queda dos lucros, um retardamento geral da atividade industrial, tanto na produção como no comércio. O paradoxo da pobreza em meio da abundância é visto por toda parte.
Há falta de matéria-prima? Não. Os plantadores de algodão estão ansiosos para vender seu produto. Há falta de equipamento de capital? Não. Os donos de fábricas estão ansiosos de ver as máquinas de suas fabricas silenciosas trabalhando novamente. Há falta de trabalho? Não. Os trabalhadores desempregados estão mais do que dispostos a voltar às fábricas para fabricar as roupas que lhes estão faltando.
Não. A matéria-prima, o equipamento de capital e o trabalho necessários à produção existem, e, não obstante, a produção não ocorre. Por quê?
Os economistas não chegaram a um acordo sobre a resposta. Mas quanto a um fato, concordam. E, se não compreendermos esse fato desde o início, as causas da crise constituirão um livro fechado para nós.
O fato suma importância é simplesmente este: no sistema capitalista, as mercadorias não são produzidas para uso, mas para troca — com lucro. Em nossa sociedade os minérios são extraídos da terra, as plantações são colhidas, os homens encontram trabalho, as rodas da indústria se movimentam, e as mercadorias são compradas e vendidas, somente quando os donos dos meios de produção — a classe capitalista — vêem uma oportunidade de lucro. Isso foi bem explicado por Walter Lippmann em sua coluna no Herald Tribune, a 13 de julho de 1934: “Não adianta falar de recuperação nas atuais condições, a menos que os capitalistas, grandes e pequenos, comecem a investir em empresas com o objetivo de obter lucro. Não investirão para ganhar medalhas. Não o farão por patriotismo, ou como ato de serviço público. Só o farão se tiverem oportunidade de ganhar dinheiro. O sistema capitalista é assim. É assim que funciona.”
Segundo o Prof. F. A. von Hayek, Lippmann tem razão: “Na moderna economia de troca, o industrial não produz com o objetivo de atender a uma certa procura — mesmo que use essa frase por vezes — mas na base dos cálculos de lucros.” 323
O Prof. Hayek é um dos principais economistas de hoje. Não tem muita coisa em comum com os economistas que interpretam a sociedade do ponto de vista da classe trabalhadora. Mas na importante questão de que apenas o lucro põe em movimento as rodas, está de acordo com Friedrich Engels. Eis um trecho de carta escrita por Engels em 1865: “Produz-se muito pouco... ...Mas por que se produz tão pouco? Não porque os limites da produção estejam esgotados. Não, pois esses limites são determinados não pelo número de barrigas famintas, mas pelo número de bolsas prontas a comprar e pagar. As barrigas sem dinheiro, o trabalho que .não pode ser utilizado para lucro e portanto não pode comprar, ficam abandonados à sua sorte.” 324
Nas obras de Thorstein Veblen, um dos mais originais economistas americanos, encontramos a mesma verdade expressa em seu famoso estilo ácido. “O lugar do homem de negócios na economia da natureza é ‘ganhar dinheiro’, e não produzir coisas... ...A maior realização, no mundo dos negócios, cabe a quem mais se aproxima de ganhar alguma coisa em troca de nada... ...devemos... ...notar que não existe empresa de negócios que não tenha como principal objetivo as vendas lucrativas, ou trocas lucrativas, que são iguais às vendas lucrativas... ...Os lucros dos negócios vêm do produto da indústria; e a indústria é controlada, acelerada e atrasada tendo em vista os lucros.” 325
Outra prova de que no capitalismo as mercadorias não são produzidas para uso, mas para lucro. Esta citação é extraída de Business Cycles, de Wesley C. Mitchell, destacado estudo realizado por um destacado economista americano: “Onde predomina a economia comercial, os recursos naturais não são desenvolvidos, o equipamento mecânico não é utilizado, a habilidade do operário não é exercida, as descobertas científicas não são aproveitadas, a menos que as condições sejam de molde a prometer lucro em dinheiro aos que dirigem a produção.”  326
Aí está, portanto, um desfile de testemunhos de diferentes economistas, todos da mesma opinião — que no sistema capitalista a produção só ocorre quando promete lucro. Se, porém, as mesmas testemunhas tivessem de explicar por que, periodicamente, essa promessa não se realiza, não haveria a mesma unanimidade de opinião. Os economistas concordam quanto ao que faz o sistema funcionar, mas discordam enfaticamente quanto ao que o faz parar. O sistema entra em colapso — isto é, os lucros caem — num período de crise. Quais são as causas desses colapsos? Quais são as causas das crises? Vejamos algumas respostas dos economistas.
Há economistas que ainda hoje, depois de mais de um século de crises que se repetem em ritmo quase regular, se apegam à crença de que as causas devem ser procuradas não dentro do sistema, mas fora dele, O Professor Mitchell assim escreveu sobre essa escola: “Alguns economistas desesperaram-se de encontrar qualquer teoria que explique todas as crises da mesma forma. Para eles, a crise é um acontecimento ‘anormal’ produzido por alguma ‘causa perturbadora’, como a introdução de invenções revolucionárias... ...revisões tarifárias, modificações monetárias, fracasso de colheitas, modificações de gostos, e outras semelhantes. Essa opinião... ...leva à conclusão de que cada crise tem sua causa especial que deve ser procurada entre os acontecimentos de um ou dois anos precedentes.” 327
Para outro grupo, a causa especial da crise é física. W. Stanley Jevons anunciou em 1875 que as manchas solares, a fome na Índia e a crise na Inglaterra ocorreram ao mesmo tempo. Que tinha uma a ver com a outra? Observe-se cuidadosamente. A radiação solar afeta o clima; o clima afeta as plantações, as plantações, boas ou más, afetam a renda dos fazendeiros; a renda dos fazendeiros afeta a procura de produtos acabados. A culpa é do Sol!
Ou do planeta Vênus. É o que diz Henry L. Moore, pai da teoria dos “ciclos geradores” de oito anos. E por que Vênus? Porque cada oito anos Vênus se interpõe entre o Sol e a Terra, e podemos deduzir que, tendo Vênus em seu caminho, grande parte da radiação de Apolo jamais atingirá a Terra!
Chega de causas físicas. O ProL A. C. Pigou, economista de Cambridge, é o líder da escola que atribui os períodos dc prosperidade e depressão a causas psicológicas — erros de otimismo e pessimismo da parte dos capitães da indústria. Nas “variações de previsões dos homens de negócios”, o Professor Pigou julga estarem as raízes das causas dos altos e baixos da indústria. Quando as coisas vão bem, os homens de negócios se tornam otimistas sobre as possibilidades de aumentar os lucros. Querem aumentar a produção. Tomam mais empréstimos nos bancos e investem livremente em equipamento industrial — aumentando suas fábricas ou comprando máquinas novas, etc. “Quando essas [previsões] são boas, levam os homens de negócios a aumentar seus empréstimos, em parte dos bancos, aumentando assim diretamente a taxa de juros, e indiretamente, por lançar maior capacidade aquisitiva em circulação, elevando os preços.” 328 Acontece, porém, que as mercadorias produzidas nessa onda de otimismo têm de suportar a prova do mercado. Serão vendidas por esses novos preços, mais altos? Não. Constata-se, em exemplo após exemplo, que o otimismo era injustificado, e por isso a profunda desconfiança psicológica e o pessimismo se apossam do mundo comercial, e a produção é reduzida. “A atividade desenvolvida na indústria sob a influência de um erro de otimismo finalmente se materializa na forma de mercadorias à procura de um mercado. Enquanto estas estiverem no processo de criação... ...continua uma atividade excepcional. [ então, que o otimismo era excessivo, isto é, o otimismo não suporta a prova do mercado.] Quando essa prova é aplicada a um certo número de coisas e verifica-se que falha em grande parte delas, a confiança se reduz, O fato de se terem cometido erros de otimismo e se tenham exagerado as perspectivas de lucro é comprovado, e amplamente aceito Em conseqüência, o fluxo da atividade comercial é reduzido.”  329
A essa altura, o superotimismo dá lugar ao superpessimismo. A produção é reduzida consideravelmente, o investimento na indústria cessa praticamente, e as mercadorias por acaso vendidas vêm de estoques acumulados muito antes. Então, após certo tempo, a procura aumenta novamente, os lucros se elevam outra vez, os homens de negócios se animam, e o superotimismo surge de novo.
A grande importância que Pigou e a escola psicológica atribuem às previsões dos homens de negócios responsáveis pela prosperidade ou pela depressão se evidencia no trecho seguinte: “Embora no presente exame não se constate como, na verdade, essas previsões variáveis ocorrem, concluímos definidamente que elas, e nada mais, constituem a causa direta e imediata, ou os ante cedentes, das flutuações industriais.” 330
Para outra escola de economistas a verdade está no velho provérbio de que “o dinheiro é a raiz de todos os males”. Acham que nosso sistema de trocas — nosso sistema monetário — é deficiente. Querem que seja regulamentado. O Prof. J. M. Keynes, um dos principais expoentes da escola de “regulamentação do dinheiro”, escreve: “O desemprego, a vida precária do trabalhador, o fracasso das previsões, a súbita perda de economias, os lucros exagerados de alguns, do especulador, do aproveitador — tudo tem origem, em grande parte, na instabilidade do padrão de valor,”  331
As palavras-chaves dessa citação são as últimas, “instabilidade do padrão de valor”. Não é preciso muito para nos convencer mos de que nosso dinheiro é instável — comprovamos o fato pela experiência própria. Os merceeiros sabem que determinada quantia comprará tantos quilos de manteiga um mês, e menos no mês seguinte. E, freqüentemente, ouvimos comentários assim: “Sim, o dinheiro vale hoje menos do que antes”. Ou: “A última vez que viajei, paguei cem cruzeiros por dólar, mas este ano tive de pagar duzentos”
Nossos manuais de Economia ensinam que “o dinheiro é apenas um meio de troca”. Os entendidos argumentam ser um meio precário, porque não é estável. Ao contrário de outras medidas, não é fixo. Uma dúzia significa sempre 12, não significa 15 um dia e 8 no outro. Mas o valor da unidade monetária varia. Isso é um erro que deve ser remediado, dizem esses economistas. Pedem um controle da moeda e do crédito, que estabeleça uma relação estável entre o volume de ouro produzido e o volume de dinheiro no bolso dos consumidores.
Um exemplo. Com o crescimento da indústria e a expansão da produção, a saída de mercadorias aumenta. A menos que o dinheiro em circulação seja aumentado para corresponder ao maior fluxo de mercadorias, os preços cairão. É fácil ver por quê. Suponhamos que há 500 camisas no mercado e os consumidores têm $500 para comprá-las. Cada camisa será vendida por $1. Suponhamos agora que os fabricantes melhorem suas máquinas e produzam 1.000 camisas, Portanto, em igualdade de condições, a menos que mais $500 sejam postos nas mãos dos consumidores, os preços das camisas cairão a 50 centavos cada.
Os economistas argumentam que as crises são efeitos da elevação e queda do nível geral de preço, devido ao aumento ou decréscimo do volume de dinheiro em circulação. Quando os negócios são bons, o dinheiro circula mais depressa e os bancos concedem créditos maiores. É certo que cobram altos juros, mas isso não detém os industriais que vêem os negócios se expandirem e querem obter todo o lucro possível enquanto a maré é boa. É assim que a prosperidade leva a um surto econômico rápido.
Quando tal ocorre, os controladores do crédito — os bancos — se assustam e começam a achar que a estrutura dos créditos se está tornando muito pesada. “Os valores estão inflados”, dizem. Por isso, retiram-se do mercado, suspendem os empréstimos, e cobram os empréstimos já feitos. Mas os industriais não podem pagar imediatamente, pois investiram o dinheiro em seus negócios, e não ganharam ainda o bastante para pagar. E quando não podem pagar, estão falidos. Suas fábricas são fechadas, seus empregados despedidos; as dificuldades se ampliam cada vez mais, porque as encomendas feitas aos produtores de matérias-primas cessam, e os trabalhadores que ficam sem emprego já não exercem uma procura de mercadorias. A queda da produção, a cessação da procura, a baixa de preços resultante, generalizam a depressão por toda a economia nacional, como uma moléstia contagiosa. As pessoas ficam receosas de investir, e os bancos de emprestar; o dinheiro se amontoa nos bancos, ao invés de ser usado para financiar a indústria e o comércio.
Os economistas dessa escola argumentam que não haveria um numero tão grande de empréstimos se os homens de negócios não sentissem que os preços estavam subindo. Os industriais só tomam empréstimos a juros elevados quando acreditam numa alta de preços bastante compensadora para pagar os juros e proporcionar lucros ainda mais altos. Se os preços permanecerem estáveis, não se entregarão a uma violenta e injustificada expansão da produção. Para curar esse mal, os economistas propõem que a unidade monetária seja padronizada, de forma a manter-se de acordo com a elevação e a queda da produção. O Prof. Irving Fisher, da Universidade de Yale, elaborou um plano de “dólar compensado” que, segundo afirma, resolve o problema. Comprará sempre a mesma cesta cheia de mercadorias, ontem, hoje e amanhã.
Fisher e Keynes argumentam que é tolo e perigoso continuar usando um sistema monetário imperfeito, quando outro, perfeito, pode ser formulado. Diz Keynes: “A melhor maneira de curar essa moléstia mortal do individualismo [movimentos de preço que provocam surtos e depressões] é fazer com que [pelo controle da moeda e do crédito] nunca exista qualquer previsão de queda ou elevação geral de preços ...
“Já não podemos deixá-lo [o padrão de valor] na categoria cujas características essenciais são possuídas, em graus diferentes pelo tempo, taxa de natalidade e Constituição — coisas estabelecidas pelas causas naturais, ou resultam da ação isolada de muitos indivíduos agindo independentemente, ou exigem uma Revolução para modificá-la.”  332
Outros economistas, porém, não estão convencidos de que a manipulação da moeda, para corresponder à produção, seja boa coisa. Eis uma opinião discordante, a do Prof. Hayek: “As razões comumente apresentadas como prova de que a quantidade de meio circulante deve variar segundo o aumento ou diminuição da produção são totalmente infundadas. Parece antes que a queda de preços... ...que ocorre necessariamente quando, permanecendo o mesmo o volume de dinheiro, a produção aumenta, não só é totalmente inofensiva, como é de fato o único meio de evitar os desvios da produção.” 333
Uma teoria muito mais popular das causas da crise é apresentada por John A. Hobson. O leitor provavelmente conhece a sua análise. Argumenta ele que, durante os períodos de prosperidade, as rendas do capital crescem muito mais do que os salários do trabalho. Os ricos ficam mais ricos — num ritmo incrível. Suas rendas aumentam. Não importa o quanto gastem consigo, cada vez lhes sobra mais. O que não podem gastar, guardam. Suas imensas somas de dinheiro são investidas na indústria e o resultado é um tremendo aumento no equipamento da produção de mercadorias — na capacidade produtiva. Isso é provocado pelo equipamento novo e melhor. As mercadorias desabam das fábricas sobre o mercado. Mas os trabalhadores não estão ganhando o bastante para que possam comprar essa produção aumentada. As mercadorias não são vendidas, empilham-se nos armazéns, os preços caem desastrosamente. A produção deixa de ser lucrativa. É, então, reduzida. O resultado é o desemprego, depressão e redução das rendas dos ricos. Cessa a superpoupança.
Lentamente, então,. os consumidores gastam as mercadorias acumuladas, as indústrias em funcionamento verificam que lá não podem continuar sem equipamento novo ou melhor, e assim gradualmente a produção se eleva novamente, e todo o ciclo da prosperidade, surto, crise e depressão, recomeça.
As pessoas que se preocupam com a existência de extremos — ricos e pobres — acham a teoria de Hobson perfeitamente adequada aos seus sentimentos. Pois tanto faz considerá-la como uma teoria da “superpoupança” ou do “subconsumo”, tem sempre a distribuição desigual da riqueza como causa essencial da crise.
Eis o que diz Hobson: “Esses ‘excedentes’, quando não consumidos pelos impostos, formam o fator irracional, ou destrutivo, de nosso sistema econômico. Sua reduzida utilidade para finalidades de consumo ou aproveitamento leva à acumulação como poupança para investimento, acima das necessidades e da utilização possível pelo sistema econômico como um todo... ...esse excedente não-ganho é a causa direta da paralisação da indústria, do colapso dos preços e do desemprego, classificados como depressão comercial. A aplicação desse excedente para aumentar a capacidade aquisitiva e o consumo dos trabalhadores, da comunidade, resolverá os desajustamentos crônicos, elevando a capacidade geral de consumo para que se mantenha em proporção com o aumento da capacidade de produção... ...Aumentar a proporção da renda geral atribuída aos assalariados, seja através de seus salários ou pelo aumento da assistência social, é a condição essencial para a manutenção do pleno emprego nas indústrias mais sujeitas a períodos de depressão e desemprego.”  334
Hobson defende seu ponto de vista de forma convincente. E como muitos se perturbam com as evidências de miséria e dificuldade à nossa volta, estamos inclinados a acreditar que esse argumento em favor de maiores salários e maior assistência social está certo. Mas não devemos por isso aceitá-lo integralmente. Lembramos, a essa altura, que o objetivo da produção no sistema capitalista é obter lucro. Hobson diz que as crises ocorrem pelo fato de os capitalistas investirem demais; que os trabalhadores não recebem o bastante em salários para adquirir as mercadorias produzidas pela indústria supercapitalizada; que por isso os lucros caem.
Mas o Prof. Hayek diz que não é verdade, O Prof. Hayek diz que os lucros caem porque os capitalistas não investem bastante. Ele advoga não a ampliação da assistência social, mas sua redução; não o aumento de salários, mas sua redução: “Certos tipos de ação estatal, causando um desvio na procura dos bens do produtor para os bens do consumidor, podem provocar um retraimento na estrutura capitalista da produção, e, portanto, uma estagnação prolongada A concessão de crédito aos consumidores, recentemente defendida como cura para a depressão, teria na verdade um efeito contrário; um aumento relativo na procura de bens do consumidor apenas pioraria a situação?” 335
É impossível fazer justiça, numas poucas páginas, à complicada teoria do Prof. Hayek. Mas para nós basta assinalar que Hobson e Hayek encontram causas exatamente opostas para a queda de preços que constitui uma crise; para curá-la, receitam remédios diametralmente opostos.
E o interessante é que estão ambos certos e errados. Hobson tem razão em argumentar que salários mais altos e maior assistência social proporcionariam um mercado necessário para a maior oferta de mercadorias; está errado ao afirmar que a elevação dos salários significa a redução dos lucros imediatos da produção. Hayek tem razão ao afirmar que menores salários e menor assistência social aumentariam os lucros imediatos da produção; está errado ao afirmar que a redução dos salários significa a destruição do mercado para a maior oferta de mercadorias. Hobson se preocupa com a restauração do mercado (e portanto dos lucros) pelo aumento da capacidade aquisitiva das massas. Hayek se preocupa com a restauração do lucro pela redução da capacidade aquisitiva das massas (redução de salários).  336
E nisso, segundo os adeptos de Karl Marx, está o dilema do capitalismo — não pode fazer as duas coisas. Argumentam que, por isso, as crises são inevitáveis no capitalismo. Enquanto todos os outros economistas vêem nisso ou naquilo a causa da crise, e sugerem que, se determinado remédio for adotado tudo irá bem, Marx diz que não há saída dentro do sistema capitalista. Para acabar com as crises, escreveu ele, é preciso acabar com o capitalismo.
A análise da crise feita por Marx é inerente à sua teoria como um todo. Sua teoria da produção capitalista e sua teoria que explica o colapso dessa produção são a mesma — e têm a mesma raiz.
A finalidade essencial do sistema de produção capitalista é obter lucro. Marx pôde provar que há uma tendência de redução na taxa de lucro. E que isso não era um acaso. Tinha de ser. A estrutura do sistema produtivo capitalista tornava tal redução inevitável. (Seria bom que o leitor voltasse às páginas 226-233 e relesse atentamente a teoria de valor do trabalho de Marx.)
Marx divide o capital em duas partes — a constante e a variável. O capital constante é a parte empregada em fábricas, quinas, ferramentas, matéria-prima etc. O variável é a parte empregada na aquisição de força de trabalho — em salários. O capital constante tem esse nome pelo fato de que no processo de produção seu valor permanece constante — até o produto final, seu exato valor original é transferido, nem mais nem menos. O capital variável tira seu nome do fato de que no processo de produção seu valor original se transfere ao produto final. Ao passo que o capital constante é estéril, pois não cria nenhum valor novo no processo produtivo, o capital variável é criativo pelo fato de que ele (e apenas ele) cria novos valores no processo de produção. É o capital variável que cria um valor superior ao que vale em si — a mais-valia. É o capital variável (força de trabalho viva) que dá origem aos lucros.
Assim, na indústria, o capital do capitalista toma a seguin te divisão:
C  (capital total)  =  c (capital constante)  +  v (capital variável).
c
C




v
C
E qual a proporção de C que será dedicada a c e a v? Não há dúvida, diz Marx, e todos concordarão com ele, que com o desenvolvimento do capitalismo, uma parte cada vez maior do capital total, C, está sendo dedicada ao capital constante, c. Como sabemos, novas e melhores máquinas estão sendo introduzidas, sempre, na indústria moderna. Essa maquinaria é realmente milagrosa — mas custa dinheiro, muito dinheiro. E elimina o trabalho. Isso simplesmente significa que a proporção entre o capital variável, v, e o capital total, C, se está reduzindo cada vez mais. E, ao contrário, a proporção entre o capital constante, c, e o capital total, C, aumenta.   Em suma,      diminui, ao passo que             
aumenta. 
Esse fato — de que o capital constante cresce relativamente, ao passo que o capital variável diminui — é de tremenda importância. Pois v, e v apenas, é a fonte de mais-valia, ou lucro. Isso significa que, ao se reduzir v, há uma tendência de queda na taxa de lucro. Ao se elevar a proporção do capital constante, segundo Marx, “a mesma taxa de mais-valia, com o mesmo grau de exploração do trabalho, se expressaria numa taxa decrescente de lucro... ...Se fizermos ainda a suposição de que essa modificação gradual na composição do capital não está limitada a algumas esferas apenas da produção, mas ocorre mais ou menos em todas... ...então o crescimento gradual e relativo do capital constante em razão do capital variável deve levar necessariamente a uma queda gradual da taxa média de lucro, enquanto a taxa de mais-valia... ...permanecer a mesma.” 337
Ora, a queda na taxa de lucro é coisa séria. É uma ameaça ao próprio objetivo capitalista, ou seja, a obtenção do maior lucro possível. Mas há uma saída temporária para os capitalistas. Verificam ser possível aumentar o lucro mesmo que a taxa de lucro esteja caindo. Eis um exemplo (a mais-valia é representada por m, e supomos que sua taxa seja, em cada caso, a mesma, ou 100%)
                   C                c                 v                 m
              $1.500         1.000            500               500
              $4.000         3.000         1.000            1.000
m
v
Como a mais-valia, m, só é criada pelo capital variável, v, a taxa de lucro é sempre a relação de m para v, ou       Mas embora
m
C
os lucros venham apenas do total empregado em salários (v), o capitalista considera seu lucro como lucro sobre o capital total investido (C). Portanto, calcula sua taxa de lucro como a relação de m para C, ou
$1.000
––––––
$4.000




$500
––––––
$1.500
Assim, no exemplo dado acima, no primeiro caso, a taxa de lucro é           ou 33 1/3% no segundo caso, é           ou apenas 25%.
Mas embora a taxa de lucro tenha caído, o total de lucro aumentou de $500 para $1.000.
Observe-se, porém, o que foi necessário para que tal ocorresse. O capital variável, de onde provém exclusivamente o lucro, teve de ser dobrado; e, como a moderna técnica de produção demanda um aumento contínuo do volume de capital constante em relação ao variável, enquanto v dobrou, c teve de ser triplicado. E nisso está o problema. A fim de aumentar o total de lucro, os capitalistas são obrigados a acumular mais e mais capital. Não há escolha. Se a acumulação parar, então o total de lucro (bem como a taxa) cai
Todo capitalista sabe disso. A concorrência no mercado ensinou-lhe que tem de economizar seu dinheiro e reinvestir somas sempre maiores no negócio — ou sucumbir na luta. Tem de acumular, acumular sempre, para que seu capital total possa aumentar suficientemente para derrotar a taxa de lucro decadente.
As pessoas bem intencionadas, que defendem o pagamento de maiores salários aos trabalhadores, esqueceram esse ponto. O capitalista, porém, sabe que quanto mais pagar a seus trabalhadores, tanto menor o lucro — o que significa a redução da acumulação, essencial à continuação do lucro — e não a sua intensificação. De seu ponto de vista, tal não deve ocorrer — porque, quando cessa a acumulação, cessam os lucros.
Resolve essa parte do dilema, portanto, pagando os menores salários que puder. Isso o deixa livre para continuar a política necessária de acumulação cada vez maior. Mas tal acumulação significa que uma quantidade sempre maior de mercadorias é lançada no mercado. E aqui passa ele à outra metade da contradição econômica, à falta de capacidade aquisitiva dos trabalhadores para absorver a produção. Pois salários baixos provocam a impossibilidade de comprar e pagar as mercadorias produzidas.
A análise de Marx se resume nisso: o capitalista tem de manter os lucros conservando baixos os salários; mas, com isso, destrói a capacidade aquisitiva de que depende a realização de lucros. Salários baixos tornam possíveis os altas lucros, mas ao mesmo tempo tornam os lucros impossíveis porque reduzem a procura de mercadorias.
Contradição insolúvel.
*
*    *
Há cerca de 90 anos, Thomas Carlyle pôs o dedo na crise que o sistema capitalista enfrenta: “Qual a utilidade de vossas camisas de seda? Estão penduradas aí, aos milhões, invendáveis; e há os milhões de costas nuas, trabalhadoras, que não as podem usar. As camisas são úteis para cobrir as costas humanas; inúteis para qualquer outra finalidade, um motejo insuportável, de outro modo. Que recuo representa esse aspecto do problema!” 338
Se isso era verdade ao escrever Carlyle “que recuo representa este aspecto do problema”, o que não será hoje, quando estamos em meio à maior crise da história mundial?
Todos se preocupam com o problema, em todo o mundo. Na União Soviética, estão tentando resolvê-lo pelo método marxista, em substituição ao capitalismo. Em outras partes do mundo, estão tentando resolvê-lo remendando e controlando o capitalismo.


C A P Í T U L O   X X I
A Rússia Tem um Plano
DEZESSETE anos antes do fim do século XIX, Karl Marx morria. Dezessete anos após o início do século XX, Karl Marx tornava a viver.
O que com Marx era teoria foi posto em prática por seus discípulos — Lênin e outros bolcheviques russos — ao tomarem o poder em 1917. Antes disso, os ensinamentos de Marx eram conhecidas de um pequeno grupo de dedicados adeptos. Depois, esses ensinamentos atraíram toda a atenção do mundo. Antes daquela época os comunistas apenas podiam prometer que sua teoria, se posta em prática, criaria um mundo novo e melhor; depois, poderiam apontar para um sexto da superfície da terra e dizer: “Eis aí. Vejam. Funciona.”
Como puderam os bolcheviques tomar o poder, em primeiro lugar? Quais as condições que deram êxito à revolução? De um fato podemos ter certeza — o êxito da revolução não é tarefa fácil, para ninguém, em nenhum lugar, em tempo algum. Não. A revolução é uma arte, e Lênin, o líder dos bolcheviques, acentuou essa verdade importante.
“Para ter êxito, a revolução deve basear-se não na conspiração, não num partido, mas na classe adiantada. Esse o primeiro ponto. A revolução deve basear-se no ponto crucial do processo revolucionário, quando a atividade da vanguarda do povo está em seu auge, quando as vacilações nas fileiras inimigas, e nas fileiras dos amigos da revolução fracos, desanimados, indecisos, estão em seu auge. Esse o terceiro ponto... Mas, uma vez existentes tais condições, recusar-se então a tratar a revolução como uma arte é o mesmo que trair o marxismo e a revolução.”  339
Isso foi escrito um mês antes que os bolcheviques tomassem o poder. Muitos deles concordavam com Lênin em que as condições enumeradas deviam existir para que a revolução tivesse êxito. Mas muitas dessas mesmas pessoas não concordavam quanto ao momento exato em que tais condições existiam. E nisso está o gênio de Lênin. Ele sentiu o momento preciso em que as condições estavam realmente maduras, quando agir era ter êxito, e hesitar era falhar.
À véspera mesmo da tomada do poder, teve de empregar toda a sua energia para convencer os companheiros de que chegara o momento de atacar. De 7 a 14 de outubro completou um artigo intitulado Conservarão os Bolcheviques o Poder Estatal?, em que analisava, um por um, os vários argumentos apresentados contra a ação revolucionária naquele momento. Eis sua resposta a uma dessas objeções: “O quinto argumento é o de que os bolcheviques não conservarão o poder porque ‘as circunstâncias são excepcionalmente complicadas’.
“Oh, parvos! Estão prontos talvez a tolerar a revolução, mas sem ‘circunstâncias excepcionalmente complicadas’.
“Essas revoluções não ocorreram jamais, e no desejo de que surjam há apenas a lamentação reacionária do intelectual burguês. Mesmo que uma revolução ecloda em circunstâncias que não parecem tão complicadas, a revolução em si, em seu desenvolvimento, dá origem a circunstâncias excepcionalmente complicadas. Pois uma revolução, uma revolução real, profunda, do povo, para usar a expressão de Marx, é o processo incrivelmente complicado e penoso da morte de uma velha e o nascimento de uma nova ordem social, o ajustamento das vidas de dezenas de milhares de pessoas. Uma revolução é a mais aguda, mais furiosa e desesperada luta de classes e guerra civil. Nenhuma grande revolução da história escapou da guerra civil, e ninguém que não viva numa concha poderá imaginar que a guerra civil é concebível sem circunstâncias excepcionalmente complicadas.
“Se não houvesse circunstâncias excepcionalmente complicadas, não haveria revolução. Quem teme os lobos não vai à floresta.” 340
Eis aí o estilo de um revolucionário cônscio do que o esperava, que havia calculado os custos, mas que não se atemorizava; um revolucionário que considerava o objetivo de um Estado socialista, controlado para e pela classe trabalhadora, digno de um preço terrível, que precisava ser pago. Porque Lênin conhecia a arte da revolução, triunfou.
Temos sorte de que um repórter excelente como John Reed fosse testemunha ocular da maioria dos acontecimentos que deram origem ao que os comunistas chamam de uma nova civilização. Em seus Dez Dias Que Abalaram o Mundo, nos dá ele um quadro inesquecível daqueles emocionantes tempos. Eis a descrição de uma reunião do Congresso Soviético, em Petrogrado, em novembro de 1917: “Lênin, segurando a beirada da tribuna e percorrendo com seus olhos pequenos e faiscantes a multidão, espera de pé, aparentemente indiferente à longa ovação, que demorou vários minutos. Quando acabou, disse simples mente: ‘Vamos agora proceder à construção da ordem socialista!’.”  341
Isso em 1917. Quinze anos depois de ter Lênin anunciado, tão dramaticamente, o inicio da construção da “ordem socialista”. Walter Duranty, correspondente do New York Times, escrevia que a estrutura estava concluída: “1932 pode ser considerado como o marco da conclusão da estrutura da ordem socialista, objetivada pela revolução.
“A construção em si está longe de ser completa, mas a estrutura de aço que sustentará o edifício acabado do socialismo pode ser vista agora, em seu ousado perfil, contra o céu oriental. Finanças, indústria, transporte, saúde pública, diversão, arte e ciência, comércio e agricultura — todos os ramos da vida nacional estão enquadrados no padrão arbitrário do esforço coletivo para o bem coletivo, ao invés do esforço individual para o lucro individual.” 342
Em sua última frase, Duranty tocou o ponto essencial do programa soviético. As palavras-chaves são “coletivo” ao invés de “individual”. Era de esperar que uma das primeiras medidas tomadas pelos adeptas de Karl Marx em sua construção da ordem socialista fosse a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Foi exatamente o que aconteceu. Na U.R.S.S. a terra, fábricas, minas, usinas, máquinas, bancos, ferrovias etc., deixaram de ser propriedade de particulares. Praticamente todos esses meios de produção e distribuição estão nas mãos do governo, ou de órgãos nomeados ou aprovados pelo governo, e por este controlados.
Isso é fundamental!
Para compreender seu verdadeiro significado, devemos contrastar o fato com a sociedade capitalista. Isso significa, segundo os russos, que nenhum homem pode explorar outro — A não pode aproveitar-se do trabalho de B. Significa não ser possível a ninguém subir a escada da acumulação de dinheiro nas costas de “seus” trabalhadores. Significa já não ser possível para um fabricante de automóveis anunciar nos jornais, um dia, que quem realmente desejar um emprego poderá tê-lo, e em seguida fechar a fábrica e deixar 75.000 operários desempregados. Não poderá fazer isso porque as fábricas já não serão suas — pertencem a todo o povo, coletivamente. Significa, dizem os russos, que as divisões de classes desaparecem — os extremos do proprietário e do trabalhador, do capitalista e do proletariado, do rico e do pobre, acabaram. Os “expropriadores são expropriados”
Num telegrama especial para o New York Times, a 22 de abril de 1936, Harold Denny, correspondente em Moscou, relatava essa orgulhosa pretensão dos comunistas:
RUSSOS SAÚDAM O FIM DAS CLASSES
SOCIAIS
Atingido em Grande Parte o Primeiro Objetivo Soviético, Diz Andreieff aos Jovens Comunistas
A Meta da Produção se Aproxima
A Indústria Privada Produzirá Apenas 1,5% das Mercadorias da União, Este Ano
Por Harold Denny
Telegrama Especial para o New York Times
Moscou, 21 de abril — O Estado Soviético atingiu seu primeiro objetivo na marcha para o comunismo, disse à Liga dos Jovens Comunistas o secretário do comitê central do Partido Comunista da U.R.R.S., Andrei Andreieff, durante uma conferência. Os meios de produção do país estão agora quase total mente socializados e as divisões de classe foram eliminadas, afirmou ele.
De todos os artigos produzidos na U.R.S.S. este ano, 98,5% o terão sido pelo Estado, deixando apenas 1,5% para as pequenas indústrias artesanais, como costureiros, sapateiros e outras, não-socializadas. Embora Andreieff não o tivesse dito, estas estão sendo rapidamente eliminadas pelos impostos excessivos que lhes são aplicados.
Com a socialização da indústria e a quase completa coletivização da agricultura, há agora apenas uma classe — a dos trabalhadores, disse Andreieff.  343
Apenas 1,5% de indústria não-socializada continuava na União Soviética. E mesmo essa, compreenda-se, não é a indústria capitalista no sentido habitual, porque nela os produtores trabalham para si mesmos — não contratam outras pessoas. Todo o resto do aparato produtivo do país é de propriedade coletiva e administrado pelo governo.
As grandes questões econômicas que se apresentam ao governo da U.R.S.S., na qualidade de dono dos meios de produção, são o que produzir, quanto produzir e a quem dar o que é produzido? São decisões a serem tomadas para o país como um todo. Nos países capitalistas, cada homem de negócios, antes de investir seu capital numa empresa, tem de tomar decisões semelhantes. Investirá seu dinheiro numa fábrica de automóveis, comprará uma estrada de ferro ou uma fábrica de tecidos? E quanto fabricará, e quanto pagará a seus trabalhadores? O resultado de milhares e milhões dessas pequenas decisões formam a totalidade da produção. Mas não há garantia de que as partes isoladas se vão encaixar umas nas outras, e sabemos pela experiência que em cada poucos anos há um colapso quando as partes não se encaixam.
O governo de um Estado socialista está na situação do capitalista, mil vezes mais ampla — ou seja, ele é o único dono do capital e tem de tomar todas as decisões, O governo socialista tenta fazer com que as diferentes partes, todas as mil e uma complicadas e variadas atividades econômicas, se unam harmoniosamente e se encaixem de forma que o todo funcione perfeitamente. Para fazer isso bem
a Rússia tem um plano.
“A mais significativa de todas as tendências do comunismo soviético [é] a planificação deliberada de toda a produção, distribuição e troca do país, não para aumentar os lucros de uns poucos, mas para aumentar o consumo de toda a comunidade...
“Uma vez abandonada a propriedade privada, com sua finalidade de obter lucro na produção para a concorrência do mercado, é dada uma orientação específica à produção de cada estabelecimento... ...É essa necessidade que torna indispensável, num Estado coletivista, um plano geral.”  344
Todos já ouviram falar dos planos qüinqüenais da Rússia. Ao completarem o primeiro, deram início ao segundo, e assim por diante, enquanto a Rússia era socializada. Pois, como Sidney e Beatrice Webb assinalaram, na citação acima, um Estado coletivista tem de ter um plano. A economia socialista é, necessariamente, a economia planificada.
Como a Rússia era o único país no mundo a ter uma economia planificada, para compreender o seu funcionamento devemos examinar o modelo russo.
O que abrange um plano? Quando eu e o leitor fazemos um plano, quando qualquer pessoa faz um plano, há nele duas partes — um para e um como, um objetivo e um método. O objetivo é uma parte, e a forma de atingi-lo é a outra parte do plano.
Isso ocorre na planificação socialista. Tem objetivo e método. Mas é importante notar desde logo que o objetivo da planificação socialista é inteiramente diferente das finalidades busca- das nos países capitalistas. Isso é demonstrado pelos Webbs em seu excelente estudo da U.R.S.S., Soviet Communism: A New Civilization?: “Numa sociedade capitalista, o propósito mesmo da maior empresa privada é o lucro pecuniário, a ser ganho pelos seus donos ou acionistas... ...Na U.R.S.S., com o que se chama Ditadura do Proletariado, o fim da planificação é bem diferente. Não há donos ou acionistas a serem beneficiados, e não há consideração de lucro pecuniário. O único objetivo é a segurança máxima e o bem-estar máximo, com o tempo, de toda a comunidade.”345
Muito bem. Esse o grande objetivo geral. É preciso concretizá-lo. É preciso adotar políticas específicas, de acordo com o objetivo desejado. E as possibilidades só podem ser medidas tendo-se um quadro completo do país.
Essa é a tarefa da Comissão de Planejamento Estatal (Gos plan).
Seu primeiro trabalho foi verificar tudo sobre a U.R.S.S. Qual o volume da força de trabalho? Qual a condição da fábrica coletiva? Quais os recursos naturais? O que tem sido feito? O que pode ser feito? O que existe disponível? O que é necessário?
Fatos. Números. Estatísticas. Montanhas deles.
De toda instituição no vasto território da U.R.S.S., de cada fábrica, fazenda, usina, mina, hospital, escola, instituto de pesquisa, sindicato, cooperativa, teatro; de todos eles, de toda parte, do mais longínquo canto dessa área enorme vinham as respostas às perguntas. O que fez no ano passado? O que está fazendo este ano? O que espera fazer no ano que vem? De que ajuda precisa? Que ajuda pode dar? E centenas de outras.
Toda essa informação destinou-se aos escritórios da Gosplan, onde foi organizada, reunida, examinada, pelos peritos. “Todo o quadro da Gosplan se eleva a cerca de dois mil peritos estatísticos e técnicos científicos de várias tipos, com muitos outros funcionários burocráticos — certamente a melhor equipada e a mais ampla máquina de pesquisa estatística permanente do mundo.”  346
Quando esses entendidos acabaram sua tarefa de escolher, dispor e conferir todas as informações coligidas, tinham um quadro das coisas tal como eram. Mas isso foi apenas parte de sua tarefa. Deviam, em seguida, dedicar-se ao exame das coisas como deveriam ser. A essa altura os planificadores se reuniram com os chefes do governo. “As conclusões da Comissão de Planejamento Estatal e seus projetos foram submetidos ao endosso do governo, estando a função de planificação separada da função de liderança, não se subordinando a segunda à primeira.” 347
Evidentemente, a planificação não afasta a necessidade de tomar as decisões políticas que o plano tem de pôr em prática. A política é determinada pelos chefes do governo, e a tarefa dos planificadores é estabelecer a mais eficiente forma de realizar essa política na base do material que coligiram. Das discussões entre a Gosplan e os líderes surgiu o primeiro esboço do Plano.
Mas apenas o primeiro esboço. Isso ainda não era o plano. Pois numa economia socialista planificada, o plano elaborado pelos peritos ainda não é bastante. Tem de ser submetido ao povo. Essa a medida seguinte. Eis como I. Maiski, embaixador russo na Inglaterra, descreveu esse segundo estágio da preparação do plano: “Os dados de controle são submetidos, para manuseio e crítica, aos vários comissariados do povo e a outros órgãos centrais que tratam da economia nacional, como, por exemplo, os Comissariados do Povo para a Indústria Pesada, a Indústria Leve, Comércio, Transporte, Comércio Exterior etc. Cada autoridade central passa as várias partes do plano ao órgão que lhe é inferior em autoridade, de modo que finalmente a parte respectiva do plano chega à fábrica ou fazenda nele interessada. Em cada fase, os dados de controle estão sujeitos a um exame completo e uma análise total. Quando chegam à última fase da viagem, desde a Comissão de Planejamento Estatal até a fábrica ou fazenda coletiva, todos os trabalhadores e camponeses tomam parte ativa na discussão e consideração do plano, fazendo propostas e sugestões. Depois disso, as cifras de controle são enviadas de volta pelo mesmo caminho, até chegarem finalmente, em sua forma emendada ou suplementada, à Comissão de Planejamento Estatal.” 348
Trabalhadores das fábricas e camponeses das fazendas opinando sobre os méritos e deméritos do plano. Eis o quadro de que os russos muito justamente se orgulham. Ocorre freqüentemente que esses trabalhadores e camponeses discordam das cifras de controle relativas aos seus trabalhos. Apresentam então um contraplano, no qual dão seus próprios números, para mostrar que podem aumentar a produção deles esperada. Nessa discussão e debate do plano provisório por milhões de cidadãos, em toda a nação, os russos vêem a verdadeira democracia. O plano de trabalho a ser feito, os objetivos a serem atingidos, não são impostos de cima. Trabalhadores e camponeses têm voz nele. Com que resultado? Um observador competente nos dá esta resposta. “Em toda parte, pelo menos nas regiões da Rússia que vi, encontramos operários dizendo orgulhosamente: ‘Esta é a nossa fábrica, este é o nosso hospital, esta a nossa casa de descanso’, sem querer dizer que eles individualmente fossem donos do objeto em questão. mas este funcionava e produzia diretamente para seu benefício, e que tinham disso consciência, e, mais ainda, que eram, pelo menos em parte, responsáveis pelo seu funcionamento perfeito.” 349
O terceiro estágio na preparação do plano é o exame final das cifras devolvidas. A Gosplan e os dirigentes do governo examinam as sugestões e emendas, fazem as modificações necessárias, e o plano está pronto. É enviado de volta, em sua forma final, a operários e camponeses de toda parte, e toda a nação junta suas energias para completar a tarefa. A ação coletiva para o bem coletivo se torna uma realidade.
Mas o que é o bem coletivo? Quais as políticas que os chefes do governo consideraram essenciais, a princípio? Certos objetivos gerais se apresentaram imediatamente. A maioria dos habitantes da U.R.S.S. era analfabeta, sem educação. Por isso, um programa universal de educação tinha de ser parte do plano. Educação grátis para todos — com manutenção dos estudantes nas universidades — foi estabelecida. A maioria dos trabalhadores da U. R. S. S. muito pouco ou nada sabia sobre higiene e saúde. Por isso, uma campanha para elevar o padrão de vida, acompanhada da construção de hospitais, centros de maternidade, creches etc., com médicos. enfermeiras e professores competentes, devia ser parte do plano. Casas de descanso para os operários, parques, museus, clubes — estes e outros serviços semelhantes deviam ser parte do plano. Institutos e laboratórios para a pesquisa científica deviam ser parte do plano. Quanto a isso, e a muitas outras necessidades evidentes, não podia haver dúvida — portanto, tornaram-se parte do plano. Mas que resposta dar a problemas como os seguintes:
1.   Seria melhor política concentrar-se na produção de artigos para o povo comer, vestir e usar agora? Ou seria aconselhável dar especial atenção à construção de fábricas, usinas de energia, estradas de ferro, o que significaria menos agora para o povo, mas muito mais no futuro? Desenvolver as fábricas de artigos de consumo significava o bem-estar imediato; desenvolver as fábricas de artigos de produção significava o bem-estar amanhã. Qual o melhor?
2.   Seria melhor política concentrar-se na produção daquilo que pudesse fazer melhor, e importar o que fazia mal ou com deficiência? Ou seria mais sensato procurar obter todo o abastecimento dentro das próprias fronteiras?
A resposta soviética a essas perguntas foi determinada, em grande parte, pelo fato de que, como país socialista, receava o perigo de um ataque do mundo capitalista. Não era uma suposição pessimista. De 1918 a 1920, meia dúzia de países capitalistas, inclusive os Estados Unidos, tentaram derrubar os bolcheviques pela força armada. E os russos tinham certeza de que isso ocorreria novamente, particularmente se tivessem êxito na construção do socialismo. Porque então os capitalistas de todo o mundo estariam mais receosos do que nunca de que a classe trabalhadora em seu país seguisse o exemplo dos operários russos, e os expulsasse do poder.
Por isso e por outras razões — por exemplo, o fato de que uma comunidade agrícola não pode proporcionar o alto padrão de vida de uma comunidade industrializada — os russos se dedicaram à tarefa da industrialização.
Não era fácil. Essa decisão representava, na verdade, o sacrifício do conforto no presente para a segurança do futuro. Significava o emprego de uma enorme parte dos recursos em equipamento de bens de capital, que não dariam imediatamente ao povo casas e coisas para comer e roupas para vestir. Todo o país tem determinado volume de trabalho e capital para usar em, digamos, um ano. Pode colocar todos os seus trabalhadores na fabricação de tijolos e na construção de casas, no cultivo do trigo e no preparo do pão, no plantio do algodão e na fabricação de roupas — e haverá abundância para todos. Mas não haverá nunca mais abundância do que hoje. Se desejar mais, terá de colocar alguns trabalhadores fabricando máquinas, abrindo estradas, construindo fábricas etc. — em suma, no equipamento de bens de produção. Isso lhe permitirá no próximo ano, ou nos próximos anos, produzir mais pão, mais roupas, mais casas. A proporção do investimento que se faz para o futuro determina o que teremos para comer e vestir no presente. A Rússia verificou que poderia ter mais carvão para aquecer casas, ou mais carvão para alimentar os altos fornos que fabricam o aço para as máquinas que produzirão teares automáticos capazes de produção maior e mais rápida de tecidos — mas não podia ter os dois ao mesmo tempo. Escolheu o segundo. Os bens do produtor foram desenvolvidos a expensas dos bens do consumidor. Foi este o caminho da industrialização, e não foi fácil.
Na entrevista que concedeu a Roy Howard, da cadeia Scripps-Howard, a 10 de março de 1936, Joseph Stalin sugeriu que, embora o caminho da industrialização fosse árduo, não obstante conduzia ao objetivo soviético: “Se vamos construir uma casa, temos de economizar e fazer sacrifícios. Quanto mais se estamos construindo uma nova sociedade.
“É necessário, temporariamente, que limitemos parte de nossa procura, para acumular os recursos necessários. Fizemos esse sacrifício com o objetivo definido de desenvolver uma verdadeira liberdade, no melhor sentido do palavra.” 350
Quais foram esses “sacrifícios” que se seguiram à decisão russa de reduzir a produção para consumo imediato e aumentar a produção de bens de capital? Significava que não havia trabalho e capital bastante para produzir coisas para o presente. Houve uma aguda falta de todos os artigos de consumo na Rússia — fato que, como sabemos, não passou despercebido aos seus visitantes pouco amistosos. Era mais fácil conseguir um trator do que um bule de chá, um dormente de estrada de ferro do que um cobertor. Infelizmente, os russos não podiam fazer chá num trator nem se cobrir com um dormente. Tiveram, por isso, que apertar o cinto até o último furo, o que em alguns casos ainda foi pouco, para pagar os tratores, fábricas, locomotivas e usinas de força que estavam construindo.
Mas, segundo o New York Times, de 27 de março de 1936, já se notavam indícios de que os tempos melhores viriam para os cidadãos soviéticos: “Este ano, pela primeira vez desde a Revolução, maior importância relativa está sendo atribuída à produção de bens de consumo do que de meios de produção, a que tudo o mais estava subordinado nas primeiras fases da formação da economia soviética.
“O plano deste ano... ...determina um aumento de 23% nos bens de consumo e de 22% nos meios de produção.”  351
Note-se bem. A ênfase dada antes aos bens do produtor, ao invés de aos bens do consumidor, não é inerente à planificação nacional. Ela não seria necessária, por exemplo, nos Estados Unidos, se estes fizessem uma planificação socializada nacional. Era parte essencial do plano soviético apenas devido às condições peculiares da União Soviética. Os Estados Unidos são ricos de equipamentos de bens de capital, e por isso sua construção apressadamente febril e com grandes sacrifícios não poderia ser parte de qualquer plano que elaborassem.
A Rússia, porém, era pobre em estradas de ferro, maquinaria, fábricas, usinas de todo tipo. O pouco que tinha antes da 1ª Guerra Mundial foi quase totalmente destruído durante essa guerra, a guerra civil e o período de intervenção. Portanto, depois da Revolução, a Rússia teve de começar praticamente do nada. Tinha um longo caminho a percorrer, antes que pudesse alcançar outros países como a Itália, Suécia e Austrália, para não falar da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Tão longo, na verdade, que parecia impossível que chegasse a alcançá-los. Os russos, porém, decidiram que sim, e que isso seria rápido. Disse um destacado economista de Cambridge, já em 1932: “O que a Rússia pretendia fazer era tão estupendo que poderia ser recebido com zombaria e riso por todo o mundo capitalista. Pelos padrões de realização no mundo capitalista, seus objetivos necessariamente pareciam um louco sonho utópico. Um país rico como a Grã-Bretanha de antes da guerra costumava investir como novo capital cerca de 14% de sua renda nacional. Com o plano qüinqüenal, a Rússia Soviética planejava investir (anualmente, dentro da média dos cinco anos) cerca de 30% de sua renda nacional — uma soma fabulosa para um país relativamente pobre. O aumento anual da produção mundial, considerado “normal” na indústria capitalista, era calculado em cerca de 3%. Nos seis anos entre 1907 e 1913 essa taxa anual de aumento na Grã-Bretanha foi de menos de 1,5%. Nos quatro anos de surto de prosperidade, de 1925-1929, não foi maior do que 9%, mesmo em países de expansão rápida, como Polônia e França, e menos de 4% nos Estados Unidos e Grã-Bretanha. O plano qüinqüenal previa um aumento anual na produção em grande escala da indústria estatal à taxa de mais de 20%, e de toda a indústria (grande ou pequena) de cerca de 17 a 18%.”  352
Isso é ainda mais notável se compreendermos que durante esse período de industrialização não havia empréstimos e créditos de outros países, como é hábito. Praticamente todos os outros países do mundo, no caminho da industrialização, foram ajudados pelo capital estrangeiro, que lhes permitiu comprar aço, máquinas etc., ao iniciarem a construção de suas fábricas e usinas para a produção dessas coisas. Na industrialização dos Estados Unidos, o capital britânico teve grande papel. Na América do Sul, foram concedidos empréstimos britânicos, alemães e norte-americanos. O capital excedente, como já vimos no Capítulo XIX, estava à procura de lugares onde investir — exceto a Rússia. Para os maldosos bolcheviques, os capitalistas não tinham utilidade nem dinheiro. Quando os russos finalmente conseguiram romper o boicote e arranjar algum crédito, os termos foram pesados — e como!
De que forma, então, foram pagos os materiais indispensáveis e importados? Qual a fonte da acumulação de capital tão necessária à construção da indústria na U.R.S.S.? É uma pergunta importante — e tem uma resposta importante.
Parte do dinheiro veio da própria indústria soviética.
Na sociedade capitalista, a acumulação é individual (e aqui “individual” inclui também grupos — por exemplo, fundos de reserva de sociedades anônimas, bancos etc.), ao passo que na sociedade socialista a acumulação, como a produção, é social. Uma certa parte da produção líquida de cada indústria é transferida para as instituições financeiras centrais, que têm assim um controle unificado sobre todos os recursos disponíveis à expansão. No plano da U.R.S.S. não há lugar para dividendos, tão familiares à sociedade capitalista. Na União Soviética é o próprio Estado que recebe os lucros da atividade econômica e dirige esses fundas aos canais onde, segundo o plano, serão mais úteis.
“Parte do desenvolvimento de cada indústria é automática, determinada pela proporção .de lucros conservados em cada indústria; mas o restante dos lucros obtidos em cada indústria é mobilizado e pode ser empregado (junto com outros fundos acumulados centralmente) para o desenvolvimento de todo o sistema de produção e distribuição, dirigido conscientemente. Esse controle do desenvolvimento econômico é um dos aspectos mais importantes da organização do planejamento central.” 353
Há, decerto, uma pequena soma de poupança individual, mas como a maioria dela vem dos lucros, e não há lucro no sentido individual, a poupança na U.R.S.S é função da comunidade, e não uma “gravata capitalista”.
Essa foi uma fonte de acumulação de capital. Outra importante forma de dinheiro necessário às empresas industriais foi o comércio exterior.
Os automóveis, tratores, locomotivas e máquinas de fazer máquinas, tão necessários para a Rússia se tornar auto-suficiente, podiam ser obtidos no exterior pela troca com o trigo, petróleo, minérios, madeiras e peles russas. A industrialização intensiva não significava que a Rússia deixasse de plantar trigo ou de pesquisar a terra em busca de petróleo e minérios, ou de derrubar madeira ou caçar animais de peles. Pelo contrário, essas atividades se ampliaram, com melhoramentos em grande escala. Os ineficientes métodos do século XIX foram substituídos pelas modernas técnicas do século XX. A mecanização e os processos científicos introduzidos na indústria, o foram também na agricultura e mineração. Em toda a linha dedicou-se energia ao aumento da produção. Foi pela exportação dos produtos “naturais” da Rússia que a importação das necessidades industriais se tornou possível.
Isso quer dizer que o comércio externo tinha de ser controlado e enquadrado no plano geral. E foi.
A Gosplan decidiu o que devia entrar na U.R.S.S. procedente de outros países, e o que dela sairia para esses países. Se as fazendas coletivas comprassem máquinas agrícolas dos Estados Unidos, se a indústria elétrica conseguisse seu equipamento da Alemanha, se as tecelagens de algodão comprassem máquinas na Inglaterra, então tudo ficaria de pernas para o ar. A Gosplan tinha um plano de produção, e o comércio externo era parte integral desse plano. Não poderia ficar a cargo de grupos individuais, cada qual comprando o que precisasse e vendendo o que pudesse, sem levar em conta as necessidades da economia nacional. Portanto, tal como o controle dos bancos, ferrovias e meios de produção em geral estão compreendidos pelo plano, também o Estado monopoliza o comércio exterior.
É interessante que Babeuf, em seus planos de um Estado comunista, formulados na época da Revolução Francesa, viu a necessidade do monopólio estatal do comércio externo: “Todo o comércio particular com países estrangeiros é proibido; as mercadorias que entrarem dessa forma no país serão confiscadas em benefício da comunidade nacional... ...A república adquirirá para a comunidade nacional os objetos de que necessita trocando seus produtos excedentes peles de outras nações.” 354
No entanto, mesmo tendo o monopólio do comércio externo como parte fundamental de sua economia socialista planificada, o governo da U.R.S.S. não determina totalmente o tipo e o volume de suas importações e exportações. Nem poderá, enquanto tiver negócios com países de sistemas econômicos não-planificados. Os russos podem controlar o que acontece em seu mundo, mas não podem controlar o que ocorre no resto do mundo. Isso se evidenciou durante o primeiro plano qüinqüenal.
A Gosplan decidira comprar certas máquinas no exterior. Encomendou-as aos preços do momento, e separou parte da produção interna de exportação para pagamento dessas máquinas.
Muito bem. Assinaram os contratos do que queriam e previram os meios de pagamento. Tudo parecia em ordem.
Mas enquanto os contratos se estavam processando, ocorreu a crise de 1929 nos países capitalistas. Isso significou que os preços dos produtos exportados pela Rússia caíram catastroficamente. Suponhamos que a Gosplan tivesse contratado pagar $10 milhões pelas máquinas encomendadas; suponhamos ainda que a Gosplan tivesse resolvido exportar em troca
2.000.000 de sacas de trigo, a $1 cada.......... $ 2.000.000
1.000.000 de peles, a $3 cada ...................... $ 3.000.000
2.500.000 barris de petróleo, a $2 cada ....... $ 5.000.000
Total ............................................................. $10.000.000
Ora, devido à crise, o trigo cai para 50 centavos, os consumidores deixam de comprar peles, a menos que sejam praticamente de graça, e o petróleo desce a preços nunca ouvidos.
Que devia fazer o governo soviético? Precisava das máquinas, e de pagá-las com suas exportações. (Mesmo que não tivesse havido contrato aos preços altos antigos, não obstante, os preços industriais não caem com a mesma rapidez dos produtos que a Rússia vendia.) Tinha de exportar duas vezes mais do que previra. Tinha de dizer ao povo russo: “É preciso apertar o cinto ainda mais. Os capitalistas fizeram tamanha trapalhada que os preços mundiais caíram muito, e só nos pagarão pelo trigo metade do que pagavam antes. Por isso, temos de exportar o dobro para atender às nossas necessidades.”
Foi isso, mais ou menos, o que aconteceu. A União Soviética, tendo planificado acabar com as crises em seu próprio território, não obstante sofreu os efeitos da crise nos países capitalistas. A crise fora da Rússia foi um fator externo que influiu no desequilíbrio do plano.
Muito mais importantes são as perturbações que podem ser causadas pelos fatores internos — alguns controláveis, e outros não. Como a planificação de todas as atividades econômicas signifIca que cada parte está engrenada noutra, a falta de um dente numa engrenagem necessariamente afeta outra. Suponhamos que uma praga destrua a maior parte das plantações de algodão. Isso tem repercussões imediatas nas indústrias têxteis. Afetará o comércio externo se o plano previu a exportação do algodão; afetará as relações entre salários e preços se não houver no mercado o volume de algodão previsto. Os economistas soviéticos aprenderam pela experiência que “em conseqüência da íntima ligação entre todos os elementos da economia nacional, a ruptura de uma linha ou o atraso de um setor do plano atinge vários outros setores, por melhor que estes estejam funcionando. Todo desvio sério do plano num ponto exige medidas coordenadas em outro ponto.” 355
Há o perigo, e o remédio. Os planificadores devem ter uma reserva com a qual amortecer o golpe, quando este ocorrer. Devem prever os acidentes. Devem levantar estatísticas que mostrem as variações do passado, e devem, à base dessa informação, supor o que provavelmente ocorrerá. Mas isso não basta. Devem estar preparados, no caso de que o provável não aconteça, a tomar “medidas de coordenação”.
Elas são fáceis — no papel. Mas a coordenação na realidade é difícil, e os russos pagaram repetidas vezes o preço da falta dela, Os Webbs citam um exemplo: “Na inauguração, muito anunciada, da fábrica [de automóveis, em Gorki] a 10 de maio de 1932, todo o empreendimento, de súbito, enguiçou! Os enormes edifícios copiados da Ford em Detroit estavam cheios de máquinas caras. Dezenas de milhares de operários haviam sido reunidos e colocados nas folhas de pagamento; mas a correia transportadora recusava-se a mover-se. A base em que fora assentada havia rompido em vários lugares, devido aos alicerces insuficientes. E mesmo que a correia movediça funcionasse, não havia estoque completo das várias séries de componentes que têm de ser montados sucessivamente, um por um, à medida que ela vai andando.” 356
Eis aí um exemplo da ineficiência, de falta de direção e coordenação. Mas será justo culpar disso a planificação nacional? Não seria melhor atribuí-lo à inexperiência dos russos na indústria? Os Webbs esclarecem que a lição foi devidamente aprendida e que novas fábricas na Rússia funcionaram perfeitamente no dia da inauguração. Se o planejamento nacional chegasse aos Estados Unidos, é lícito supor que não haveria falta de capacidade de coordenação. Que ela já existe em grande parte se evidencia na afirmação, feita pelos diretores de Fortune, de que duas apenas das companhias de aço de propriedade da U. S. Stee Corporation “podem fabricar tanto aço quanto a Inglaterra e Alemanha produziram juntas em 1934”. 357Evidentemente, isso não poderia ser feito se não houvesse na U. S. Steel Corporation capacidade de coordenação correspondente aos mais difíceis problemas da organização industrial. Não podemos, portanto, argumentar que o planejamento nacional seja impossível porque a coordenação de todas as partes é uma tarefa enorme.
Mas há outros argumentos. Um deles é contra a palavra “socializado” na expressão “planejamento nacional socializado”, e outro contra as palavras “planejamento nacional”.
Argumenta-se que o socialismo não poderá funcionar porque, não havendo interesse de lucro, as pessoas não teriam incentivo para fazer o máximo, tentar novos métodos, correr riscos. Em conseqüência, a vida econômica estagnaria.
Os russos respondem que isso é bobagem. Mostram que na sociedade capitalista a maioria do trabalho é feita por pessoas que não obtêm lucros — pessoas que trabalham dia e noite apenas pelos salários. A maioria trabalha porque tem de ganhar a vida. Isso se aplica a todo o mundo — tanto russo como capitalista. Além disso, na Rússia a pressão social, a consideração social e a honra em que são tidos os bons trabalhadores, tudo isso os leva a esforçar-se. Os socialistas alegam que seus incentivos são muito mais produtivos do que os capitalistas. Assinalam, com justificado orgulho, os operários que trabalham voluntariamente, sem nenhum ganho, para ajudar os pontos fracos da frente econômica. Lênin, em 1919, impressionou-se com os “subbotniks” que assim agiam: “Os ‘subbotniks’ comunistas têm importância histórica... ...A produtividade do trabalho é, em última análise, o primeiro e mais importante fator do triunfo da nova ordem social. O capitalismo criou um grau de produtividade do trabalho desconhecido no regime de servidão. O capitalismo pode ser finalmente derrubado, e o será pelo fato de que o socialismo criará uma nova produtividade do trabalho, muito maior. É um problema muito difícil, que exigirá longo tempo... ...O comunismo significa maior produtividade do trabalho, em relação ao capitalismo, da parte dos operários voluntários, cônscios e unidos, empregando técnicas progressistas.” 358
“Concorrência socialista” é outra forma de aumentar a produtividade do trabalho. Grupos de trabalhadores competem entre si em cordial rivalidade, para aumentar a produção. Quando a competição termina, o grupo vencedor faz o que nenhum vencedor jamais fez — vai ajudar os derrotados, mostrar-lhes como vencer da próxima vez, O povo trabalha, mesmo quando não tem lucros em dinheiro a receber! Além disso, dizem os russos, não há razão pela qual numa economia planificada socialista o bom trabalho não seja recompensado por bônus, prêmios, folgas etc. Tudo isso é comum na vida econômica da Rússia.
Pelo menos o Manchester Guardian está convencido de que os russos estão tendo êxito em seus esforços de trabalho sem incentivo de lucro. A 20 de fevereiro de 1936 dizia ele, em editorial: “Um mundo cético tem de admitir que a propriedade coletiva está sobrevivendo, que criou uma nova forma de patriotismo e novos incentivos... ...ao trabalho. Pode não ser o socialismo dos primitivos ou dos profetas, mas funciona.”  359
Ao outro argumento, de que na ausência de concorrência não haveria incentivo para experiências, riscos, novos métodos, os russos simplesmente respondem: “Vejam as estatísticas.” Mostram que em nenhum lugar do mundo se gasta mais dinheiro e esforço em experiências, em todos os campos. Afirmam que por terem o controle completo da vida econômica podem correr riscos com novas idéias e novos métodos, que as indústrias em regime de concorrência nos países capitalistas freqüentemente não ousam. São apoiados em seus argumentos por essa afirmação convincente dos Webbs: “Longe de mostrar qualquer falta de iniciativa em grandes ou pequenas questões; longe de rejeitar os riscos dos novos desenvolvimentos, o comunismo soviético provou ser, em todos os campos, de grande iniciativa... ...Nenhum estudioso da U. R. S. S. pode deixar de se impressionar pelo que parece ser mesmo um excessivo desejo de modificação e pelo espírito de aventura, na indústria, na ciência, nas várias formas de arte, nas instituições sociais, em comparação mesmo com os Estados Unidos.”
A objeção dos economistas ao planejamento nacional se faz sob ângulo diverso. Alegam que onde há planejamento nacional não há mercado livre. A ausência deste torna impossível um sistema de preços, o que significa um adeus à economia racional, porque, sem preços, que registram a escassez relativa das mercadorias em relação à sua procura, a escolha do que se deve produzir será arbitrária e caótica, donde antieconômica — os recursos serão gastos em coisas menos urgentes do que outras, porque não existe a orientação dos preços. No capitalismo o preço do mercado determina, com o tempo, os canais de produção. Os preços sobem quando é necessário produzir mais de algum artigo,. e baixam quando a produção deve ser reduzida. Isso significa que as coisas são feitas ou não segundo as necessidades do povo. Na ausência de tal sistema de preços, perguntam os economistas, como decidir onde investir o capital para satisfazer as necessidades da coletividade?
Os planificadores nacionais respondem a essa crítica negando, inicialmente, que o sistema de preços funcione desse modo. Os preços não se movem de acordo com as necessidades de todo o povo, mas sim de acordo com o que certas pessoas podem pagar. A função do sistema de preços, dizem eles, é apenas satisfazer as necessidades de algumas dessas pessoas que têm o dinheiro para pagar pelo que desejam.
A outra resposta dada pelos planificadores nacionais é que o preço do mercado — uso mais racional dos recursos — é consideravelmente perturbado no capitalismo, onde preços artificiais e controlados são provocados pelas altas tarifas, subsídios, monopólios, etc. Assim, o capitalismo puro, onde tudo funcione suave e perfeitamente com o mecanismo de preços, nunca existe na vida real, mas apenas nos livros dos economistas burgueses. Se funcionasse tão bem, jamais haveria crises.
Argumentam os planificadores nacionais que têm uma forma de fazer a oferta corresponder à procura. A Gosplan recebe mensalmente, semanalmente, e até diariamente, relatórios de todo o país, que registram a relação entre o que o povo procura e o que encontra. Suponhamos que o plano preveja a produção de dois milhões de pares de sapatos e meio milhão de casas novas. Suponhamos que cheguem numerosas reclamações de que não há sapatos bastantes, ao passo que o povo não se preocupa com casas novas. O plano não precisa ser rigidamente seguido. O trabalho e o capital podem ser desviados da construção de casas para a fabrico de sapatos — não imediatamente, decerto, mas tão depressa quanto na sociedade capitalista.
Não obstante, há procedência na pergunta formulada pelos críticos capitalistas. O que fará a Gosplan introduzir quebradores de carvão elétricos ao invés de teares automáticos, quando não tiver capital para ambos? A autoridade central tem de resolver o problema de distribuir recursos limitados entre objetivos que concorrem entre si. Os russos tiveram de admitir isso. Mas alegam que mesmo sendo impossível ter ao mesmo tempo um planejamento nacional e um mercado livre, e mesmo se a ausência de um preço de mercado livre não indica a utilização mais econômica dos recursos, ela proporciona muitas outras coisas. Os russos colocam a segurança, igualdade e ausência de exploração, para os muitos acima da aquisição de lucros, por maiores que sejam, para os poucos. Acham que uma distribuição mais eqüitativa da riqueza é melhor do que as “duas nações”. Preferem a vida segura, sadia, bem ordenada, dentro de um sistema planificado, às crises e surtos de uma economia sem planos.
O colapso ocorrido em 1929 é freqüentemente mencionado como uma crise mundial. Dizem-nos que a paralisação da produção, com o desemprego e miséria das massas, ocorreu em toda parte do mundo. Os russos, porém, alegam que isso não é verdade. A crise varreu todos os países, com exceção de um — ela se desvaneceu nas fronteiras da União Soviética. Os russos estavam protegidos pelo seu dique de uma economia planificada socialista.
*
*    *
Quando este capítulo estava sendo escrito, tivemos notícias de que fora concluída a nova Constituição da U.R.S.S. Ela não foi posta em vigor imediatamente. Teve, primeiro, de ser aprovada pelo povo de toda a União Soviética, através de críticas, discussões, emendas. Eis aqui alguns pontos importantes do primeiro esboço:
“Artigo 1.° — A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas é um Estado socialista de operários e camponeses.
“Artigo 4.° — A base econômica da U.R.S.S. consiste na propriedade socialista de todos os implementos e meios de produção, firmemente estabelecida em conseqüência da liquidação do sistema de economia capitalista, a abolição da propriedade privada dos instrumentos e meios de produção e a abolição da exploração do homem pelo homem.
“Artigo 11 — A vida econômica na U.R.S.S. é determinada e dirigida pelo plano econômico nacional do Estado, com o objetivo de aumentar a riqueza pública, da constante elevação do nível material e cultural dos trabalhadores, do fortalecimento da independência da U. R. S. S. e sua capacidade defensiva.
“Artigo 118 — Os cidadãos da U.R.S.S. têm o direito de trabalhar — o direito de receber trabalho garantido, com pagamento desse trabalho segundo a quantidade e qualidade.
“O direito de trabalhar é assegurado pela organização socialista na economia nacional, pelo constante crescimento das forças produtivas da sociedade soviética, pela ausência de crises econômicas e a abolição do desemprego.” 361


C A P Í T U L O   X X I I

DESISTIRÃO ELES DO AÇÚCAR?

O MUNDO ocidental se defrontou em cheio com o paradoxo da pobreza em meio à abundância.

O que fazer?

Alguma coisa devia ser feita para fazer voltar à ordem o caos gerado pelo colapso do capitalismo. O colapso foi total — viu-se esmagada a estrutura de crédito, paralisada a indústria, milhões de desempregados, arruinados os fazendeiros, e a pobreza imperando em meio a muitas — claro, lógico que alguma coisa tinha que ser feita. O antigo sistema baseava-se no laissez- faire; o antigo sistema estava esmagado. Exigiam-se mudanças. Em vez do laissez-faire — organização e controle organizado. A vida econômica, deixada à sua própria sorte, terminara em desastre. Não mais devia estar entregue a si. Devia ser tomada pela mão e orientada.

“Devemos planejar!”

E, se lhe defrontando em cheio o paradoxo da pobreza em meio à abundância, o mundo ocidental, como a Rússia, voltou-se para o planejamento. Mas havia uma diferença.

Na União Soviética, há produção para consumo; nos países capitalistas, há produção visando lucro. Na União Soviética, aboliu-se a propriedade privada dos meios de produção; nos países capitalistas, é sagrada a propriedade privada dos meios de produção. Na União Soviética, o planejamento é geral e abrange toda a esfera de atividade econômica; nos países capitalistas, o planejamento é retalhado, tocando uma esfera independentemente das outras. Na União Soviética, o planejamento é projetado por consumidores para consumidores; nos países capitalistas, o planejamento é projetado por produtores para produtores.

Enfrentando o paradoxo da pobreza na abundância, os países capitalistas esboçaram um plano de ação para atacar o problema.

O plano era abolir a abundância.

Lembremo-nos dos títulos:

“Sacrificados milhares de leitões”, “Reduzidos os campos de trigo”, “Plantações de açúcar reduzem produção”. Tudo isso se fez de acordo com o plano. A Agricultural Adjustment Administration (AAA) entrou em contacto com milhares de produtores de algodão, trigo, milho, porcos, fumo, açúcar etc., por todos os Estados Unidos; pagava-se a esses produtores para reduzir sua produção — isto é, para que aderissem ao plano de abolir a abundância.

Em outros países, idênticos “planos” para a destruição ou redução foram levados a cabo. . A 3 de julho de 1936, o New York Times publicava a seguinte notícia, sobre nosso vizinho sul-americano:

BRASIL DESTRUIRÁ

30% DA COLHEITA DE CAFÉ

Fazendeiros receberão 5 mil-réis por saca pelas 6.600.000 sacas apreendidas pelo governo.

RIO DE JANEIRO, 2 de julho — Calculada em 22 milhões de sacas a colheita do café em 1936-1937, além de mais 4 a 5 milhões que restaram da safra anterior, o Departamento Nacional do Café determinou que 30% desse total fossem destruídos. Está pagando aos plantadores 5 mil-réis por saca, pela destruição. 362

Do outro lado do oceano, na Europa, a estória se repetia. Esta, da Inglaterra, foi notícia de primeira página:

A INGLATERRA REDUZIRÁ SUA PRODUÇÃO NOS MOLDES DOS E. U. A.; LEIS RESTRINGEM A PRODUÇÃO TÊXTIL PARA AUMENTAR OS PREÇOS

Por Charles A. Selden

LONDRES, 4 de fevereiro — Com a aprovação, esta noite, na Câmara dos Comuns, da segunda votação de um projeto de lei que se destine a eliminar os excedentes de algodão, a Grã-Bretanha está agora adotando a política do Presidente Roosevelt, de reduzir a produção através de leis, visando ao aumento dos preços. Outras tentativas houve, neste país, para eliminar os excedentes — nos embarques e na indústria carvoeira, por exemplo — mas os esforços anteriores não tinham a apoiá-los a força da lei. Esta aparece, agora, na Lei dos Fusos do Algodão, que cria uma junta de governo com o direito de comprar ou apreender o algodão em excesso ao que considera necessário a bem da indústria algodoeira, em geral.

Segundo cálculos aproximados, cerca de 10 milhões de fusos, ou seja, quase um quarto do que atualmente se emprega, serão suprimidos.

A maioria dos fabricantes de Lancashire é a favor da medida, mas a ela se opõem operários e membros trabalhistas do Parlamento, alegando que nada dispõe sobre aqueles que se acham em perigo de perder seus empregos, em decorrência dessa operação. 363

Mas por quê?

Qual é o objetivo de todo esse planejamento para eliminar o excesso?

O capitalismo do laissez-faire, fácil é recordar, visava à obtenção de lucros. O capitalismo do laissez-faire entrou em colapso e se esboçaram tentativas de planejamento. O propósito do capitalismo planejado é o mesmo — a obtenção de lucros. Em uma economia de abundância, onde a produção ultrapassa o consumo, isso pode ser feito apenas através da eliminação dos excedentes. A produção de maior número de mercadorias para o consumo provocaria a baixa dos preços; a restrição da produção, ao contrário, eleva os preços e, assim, aumenta os lucros. Dessa forma, o planejamento capitalista seria um planejamento de escassez.

E tanto isso é verdade que Stolberg e Vinton encontram uma certa justificativa para o craque do New Deal: “Nada há que o New Deal tenha realizado até agora que não pudesse ter sido feito, e melhor, por um terremoto. O pior dos terremotos, de costa a costa, restabeleceria a escassez com muito maior eficiência, e poria todos os sobreviventes a trabalhar pela glória crescente dos Grandes Negócios — isso, muito mais rapidamente e com menor rumor que o New Deal.” 364

O planejamento capitalista tem ainda uma outra característica de relevo. É o planejamento retalhado.

Quando a Administração Nacional de Recuperação (NRA) operava em Washington, corria, à boca pequena, uma divertida — e construtiva — anedota sobre Oscar Ameringer, o astuto diretor do The American Guardian. Observador interessado das atividades matutinas no escritório de um dos mais importantes funcionários da NRA, constatou a afluência de uma torrente de industriais que faziam jorrar histórias de colapsos nos negócios; e ouviu os “planos” formulados para dar novo alento ao cadáver. Depois de observar tudo em silêncio, durante horas, não mais se pôde conter. Dando um salto, gritou ao funcionário encarregado do planejamento: “O doente sofre de varíola e você está tratando cada ampola de per si!”

Ameringer sentiu que se tornava necessário um planejamento compreensível de toda a economia nacional. Entretanto, viu que havia “um plano de auxílio à indústria mercantil”, “um plano de ajuda aos fazendeiros”, um “plano para aumentar o poder aquisitivo dos operários”. Nada havia na América — ou em outro qualquer país — que se assemelhasse, de longe, ao Plano Russo, que conscienciosamente tentava ajustar as mil e uma atividades econômicas da nação num todo auto-suficiente.

Isso se tornou possível na Rússia apenas pelo fato de ter sido abolida a propriedade privada dos meios de produção. Onde os encarregados do planejamento não têm direito de fazer isso, ou aquilo, ou aquiloutro, simplesmente porque, em assim agindo, melindram o Sr. Proprietário de Bens, é impossível um planejamento de âmbito global. Uma medida adotada pela Gosplan na União Soviética prova ser eficaz, apenas porque é adotada tendo em vista uma organização, toda a economia nacional soviética, que não tem concorrentes ou rivais Uma medida adotada por uma autoridade em planejamento, em um país capitalista prova ser ineficaz porque favorece um grupo de proprietários de bens, digamos os importadores de açúcar cubano, que por seu lado se opõem a um outro grupo de donos de bens, os plantadores do açúcar americano. E, como a autoridade do Estado não tem poderes para obrigar à obediência, vacila de cá para lá, ora dando um pouco a um grupo, ora dando a outro.

Barbara Wootton, em seu Plan or no Plan, demonstra o que acontece ao planejamento quando os meios de produção permanecem propriedade privada: “Enquanto os instrumentos de produção e os produtos decorrentes constituírem propriedade de particulares, interessados nos resultados financeiros das operações com esses instrumentos e da venda daqueles produtos, a maioria das medidas econômicas deve ser adotada, firma por firma, ou indústria por indústria, seguindo os pontos de vista dessas pessoas para que suas próprias empresas ou indústrias tomem os rumos mais vantajosos possíveis. A produção do aço será planejada de modo a tornar um paraíso as usinas, a produção da cerveja será planejada de modo a transformar num paraíso as cervejarias, a produção de quadros será planejada de modo a tornar a terra um céu para os artistas, e o resultado final bem pode ser descrito antes como uma comunidade que tem um planejamento contra, do que realmente como um planejamento.” 365

Se a propriedade privada barra caminho ao planejamento central, quando este é do interesse dos próprios capitalistas, o que não fará para impedir a ação planificada no interesse de todo o país? Tomemos como exemplo a questão da erradicação das favelas. Todos estão de acordo em que elas devem desaparecer. Então, por que não desaparecem? O que se interpõe no caminho dessa evidente necessidade pública? A resposta e simples: a propriedade privada, o lucro individual Há donos de terra que ganham dinheiro com o aluguel das favelas; há outros cujas rendas baixariam se casas novas e melhores fossem construídas para os ocupantes das favelas. Por isso, a erradicação das favelas não se faz. Ou quando se faz, é de forma incompleta, hesitante. Dessa forma, o benefício da comunidade é prejudicado pelos interesses da propriedade privada.

Como é diferente na economia planificada da sociedade socialista: Os planificadores têm à sua frente um mapa da cidade. Uma parte está marcada — as favelas, onde o povo vive em condições miseráveis. O que fazer? As favelas devem ser destruidas. O.K. Abaixo as favelas! O trabalho se inicia imediatamente. Quando a propriedade privada não barra o caminho, a ação pode ser tomada tão logo a necessidade seja constatada e concluídos os planos.

Quando a propriedade privada fecha o caminho, então seu interesse é considerado em primeiro lugar, e o interesse nacional pode ficar para trás. O Times de Londres deplorou tal situação num editorial publicado a 28 de agosto de 1935. Preocupava-se o jornal com o fato de que a indústria manufatora se estivesse mudando do Norte da Inglaterra, onde eram muitos os desempregados em busca de trabalho, para o Sul, onde as “belezas rurais” seriam prejudicadas pela implantação de novas fábricas “nos campos, fazendas e bosques”. Eis o lamento do Times: “Não há uma orientação unificadora para estabelecer onde jaz o interesse nacional fundamental, embora velado, quando lugares e populações industriais são relegados à desolação econômica, ao passo que outros .lugares e populações são enriquecidos e aumentados pela nova industrialização...

“Se o gênio inventivo tornasse possível o desenvolvimento de uma nova indústria capaz de empregar um grande número de homens e não se prender à localidade pelas condições de produção, então seria socialmente vantajoso para a indústria localizar-se em áreas de depressão. As vantagens sociais, porém, podem não pesar para os que de fato decidem onde a indústria se deve estabelecer.” 366

Eis a questão. Em toda parte, o que é bom para a comunidade pode ser prejudicial aos interesses da propriedade privada. Para algumas pessoas, isso não importa. Argumentam que as vantagens da propriedade privada e do controle dos meios de produção superam as desvantahens. Apontam o surpreendente sucesso do capitalismo nos últimos 150 anos, ao produzir uma enorme quantidade e variedade de artigos e ao proporcionar (particularmente nos Estados Unidos) às massas um padrão de vida sem precedente. Nessa pretensiosa declaração, parte de sua “Plataforma para a Indústria Americana”, a Associação Nacional dos Industriais iça bandeira no mastro da propriedade privada: “A propriedade privada e o controle das instalações de produção, distribuição e vida são considerados essenciais à preservação da liberdade individual e do progresso. A propriedade ou controle dessas instalações pelo governo provoca uma economia planificada, uma sociedade estática e uma autocracia...

“O planejamento econômico nacional pelo governo procura equilibrar a produção e o consumo centralizando as decisões nas mãos de uns poucos.

“O progresso econômico e social avançou mais onde os empreendimentos foram dirigidos por um grande número de decisões e julgamentos individuais, utilizando-se nisso a habilidade, a inteligência e o conhecimento de todo o povo. Nenhum grupo reduzido de homens pode ter o conhecimento, previsão e discernimento necessários à planificação, direção e estímulo, com êxito, das atividades de um povo...” 367

A última frase, vinda de industriais que dentro de suas indústrias são considerados talvez como os maiores planificadores do mundo, é realmente uma surpresa. Aí estão capitães da indústria, que realizaram milagres de organização e planificação em negócios que, considerados isoladamente, têm mais recursos de capital que muitas nações do mundo, negócios cujas ramificações se estendem por todo o mundo; aí estão eles — os principais planificadores do principal país capitalista — argumentando cansativamente contra a adoção, em benefício da indústria, de todo o país, daquilo que com tanta habilidade realizaram para si.

Por que se opõem os capitalistas a uma economia nacional planificada?

É porque compreendem que isso significa inevitavelmente a abolição da propriedade privada — de sua propriedade privada. É o que G. D. H. Cole sugere em seu livro The Principies of Economic Planning: “Muitos capitalistas consideram seus colegas capitalistas que defendem o sistema planificado como hereges perigosos Os líderes capitalistas bem articulados de fendem vigorosamente a economia não-planificada porque a consideram, apesar de seus defeitos, como a única forma de conservar os direitos de propriedade em que podem confiar.” 368

Stolberg e Vinton chegam à mesma conclusão em seu estilo cáustico: “Para ter segurança em seu controle anti-social da indústria, para ter liberdade - de tomar decisões contra a maioria e a seu favor, a Grande Propriedade não pode sujeitar a arbítrio seu controle da sociedade... ...Os Weirs, os Teagles, os Sloans, compreendem que precisam sabotar mesmo os mais confusos esforços no sentido de um ‘planejamento social’. Apesar de toda a sua rudeza social e ignorância econômica, sentem — e com razão — que um planejamento social autêntico significa a construção socialista, e não a recuperação capitalista.” 369

Talvez outra explicação da oposição capitalista ao planejamento nacional seja a de que tal planejamento deve, necessariamente, considerar vital a questão da distribuição da tenda. Na teoria capitalista de distribuição da renda, esta, por mais desigual que fosse, se justificava em conseqüência da “lei natural”. É o que nos assegura um dos principais economistas americanos, o Professor John Bates Clark. No prefácio a seu famoso livro The Distribution of Wealth, diz ele: “O objetivo deste trabalho é mostrar que a distribuição da renda da sociedade é controlada pela lei natural, e que essa lei, se operar sem atrito, dará a cada agente da produção o volume de riqueza que cria...

“A concorrência livre tende a dar ao trabalho o que o trabalho cria, aos capitalistas o que o capital cria, e aos industriais o que a função coordenadora cria... ...A cada agente uma quota da produção, a cada um a recompensa correspondente — tal a lei natural da distribuição.”  370

Sob a acusação de que a distribuição da renda é totalmente injusta, os capitalistas dão de ombros e dizem: “Por que nos culpar? Todos recebem e ganham. É a lei natural.” Mas numa economia nacional planificada, a questão da distribuição da renda não pode ser resolvida tão facilmente. Torna-se um ponto central, não mais determinado por forças impessoais, mas uma tarefa importante da autoridade coordenadora central. E nos países democráticos onde essa autoridade pode ser influenciada pelo sentimento da massa da população, não há dúvida de que o abismo existente hoje na distribuição da renda seria consideravelmente reduzido. Para as massas, maior renda; para os capitalistas, menor — segundo um plano.

Por essas razões, não é de espantar que os líderes da oposição a tal planejamento sejam os capitalistas.

Não obstante, em certos países não podem eles agir livremente. O colapso da vida econômica é tão amplo e o avanço da classe trabalhadora se torna tão ameaçador que os capitalistas vêem a necessidade de uma autoridade coordenadora central — mas que seja deles, agindo em seu interesse. Isso só pode ser realizado pelo esmagamento das forças militantes da classe trabalhadora. É então que os capitalistas recorrem ao fascismo.

Na Rússia, a revolução da classe trabalhadora teve êxito. Mas a desilusão, a fome e a miséria que se seguiram à I Guerra Mundial atraíram muitos recrutas às fileiras dos revolucionários, em toda parte. Vendo reduzirem-se as oportunidades de melhorar de vida, a classe média também começou a se sentir descontente. A ordem estabelecida, embora ainda não-derrubada, ficou abalada.

Isso ocorreu particularmente na Itália e Alemanha. Os capitalistas desses países tiveram pela frente uma classe trabalhadora revolucionária, que lhes ameaçava o poder. Por isso, deram dinheiro aos camisas-negras de Mussolini e aos camisas-pardas de Hitler — em troca de favores futuros. O principal favor era o esmagamento do movimento organizado da classe trabalhadora. E os dois líderes cumpriram a promessa. O fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha foram, portanto, movimentos contra-revolucionários. A ordem estabelecida — poderio e privilégio capitalista — estava segura.

Eis uma tarefa difícil. A propaganda que devia atrair a massa, de mentalidade socialista, devia ser hábil. E foi. O programa do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães estava cheio de iscas, formadas de palavras-chaves socialistas, para atrair os descontentes. Eis, por exemplo, alguns trechos do famoso programa nazista de 25 pontos:

“Ponto 11 — Abolição das rendas não-ganhas com o trabalho.

“Ponto 12 — Confisco impiedoso de todos os lucros de guerra.

“Ponto 13 — Exigimos a nacionalização de todos os empreendimentos até agora formados em companhias (trustes).” 371

Essas foram as promessas. E as realizações? Vejamos a resposta dada pelo correspondente de The Economist em Berlim, a 1.° de fevereiro de 1936: “A relativa tranqüilidade do ano passado, porém, foi conseguida pôr uma atitude de inatividade em relação ao programa do Partido, cuja realização vigorosa teria precipitado perigosos conflitos de interesses A questão do Socialismo contra Capitalismo, que atraiu ao partido, no passado, muitos elementos das classes pobres, degenerou numa simples troca de palavras sem sentido. De um lado, afirma-se que o socialismo está a caminho (realmente esta semana declarou-se oficialmente que ele já substituiu o capitalismo), ao passo que ao mesmo tempo se afirma que o capital privado, na terra como na indústria, não só deve permanecer intacto, mas deve ter seus lucros.”

Podemos dizer, em defesa do regime nazista, que três anos de governo é muito pouco para pôr em prática as amplas promessas de seu programa. É um argumento procedente. Mas a tendência é inequívoca. Três anos de governo foi tempo bastante para os nazistas esmagarem os sindicatos, confiscarem seus fundos, prenderem seus líderes. Três anos foi tempo bastante para os nazistas reduzirem os salários e os serviços sociais — em suma, para distribuir a renda nacional de acordo com os desejos dos Grandes Negócios.

Da Itália nos vem uma história semelhante. Eis um dos pronunciamentos de Mussolini sobre as glórias do fascismo, igual a outros anteriores: “Nessa economia, os trabalhadores serão colaboradores do capital, com direitos e deveres iguais.”

Essas as palavras. Qual a realidade? John Gunther, em Inside Europe nos escreve: “Realmente, poderíamos reunir uma lista, aparentemente impressionante, de forças anticapitalistas no  Estado corporativo. Nenhum empregador pode dispensar trabalhadores sem consentimento do governo. Nenhum capitalista pode realizar uma atividade independente relativamente pequena, como por exemplo aumentar sua fábrica, sem aprovação estatal. Os .salários são determinados pelo governo O dono de uma fábrica não pode liquidar seu negócio sem permissão do Estado; o governo controla as fontes do crédito, e sujeita grande parte das rendas a um imposto draconiano.

“Por outro lado, as desvantagens do trabalho no fascismo são infinitamente mais severas. Os trabalhadores perderam o direito de exigir. Seus sindicatos foram dissolvidos, seus salários podem ser (e foram) impiedosamente reduzidos por decretos; acima de tudo, perderam o direito de greve. O capitalista, por outro lado, mesmo que tenha sofrido restrições, mantém seu privilégio fundamental, o de ganhar lucros particulares. O fascismo, tal como o introduziu Mussolini, não era, provavelmente, um artifício deliberado para proteger a estrutura capitalista; teve, porém, esse efeito. A restrição à mobilidade do capitalismo foi na realidade ‘um prêmio que os capitalistas estavam dispostos a pagar para ter proteção total contra as exigências do trabalho’. Toda a tendência e ritmo da revolução fascista, em contraste com a russa, são retrógrados.” 374

Mussolini propala frases sobre “direitos e deveres iguais”, mas Gunther traça dos acontecimentos reais um quadro bem diferente. Certos privilégios capitalistas foram reduzidos — mas o direito fundamental de obter lucros privados continuou. O trabalho, por outro lado, teve seus sindicatos dissolvidos, seu direito de greve abolido, e seus salários reduzidos.

Não obstante, é evidente que algo significativo aconteceu, tanto na Itália como na Alemanha, ao Capital, bem como ao Trabalho. Em ambos os países, uma forte autoridade estatal se impôs aos capitalistas, de modo inédito. Embora a propriedade privada não fosse abolida e a indústria continuasse a ver no lucro seu motivo básico, é certo que os capitalistas individuais tiveram, sob certo aspecto, suas asas cortadas. Com que finalidade? O que há atrás da ajuda à agricultura, do estímulo à auto-suficiência, do controle rígido das importações, do financiamento das exportações e do controle dos recursos bancários, que se observa em ambos os países fascistas? A resposta curta e terrível — GUERRA.

É evidente a todos que o rearmamento, a preparação para a guerra, é a força motora da febril atividade da autoridade estatal. Líderes dos dois governos fascistas não o negam — pelo contrário, disso se jactando abertamente.

Tanto Mussolini como Hitler são conhecidos como admiradores da guerra. Disse o primeiro: “Acima de tudo, o fascismo... ...não acredito na possibilidade ou na utilidade da paz perpétua... ...Só a guerra leva a energia humana à sua tensão máxima, e põe o selo da nobreza sobre os povos que têm coragem de enfrentá-la... ...Assim, uma doutrina baseada no prejudicial postulado da paz é hostil ao fascismo.” 375

Mas são palavras, e aprendemos a duvidar das palavras vindas dessas fontes. O que mostram os fatos?

Essas palavras foram escritas em 1933. Em 1935 e 1936 os exércitos fascistas invadiram a Etiópia. Essa promessa foi cumprida.

Ouçamos Hitler sobre o mesmo assunto: “Na guerra eterna a humanidade se torna grande — na paz eterna, a humanidade se arruinaria.” 376

No momento em que escrevemos, os exércitos nazistas ainda não estão em marcha, mas é evidente a todos que dentro em pouco estarão. A Alemanha apresenta o espetáculo atemorizador de uma nação obrigada a dedicar todos os esforços, a submeter-se a sacrifícios penosos, a dirigir todas as atividades, no sentido do rearmamento — a que se seguirá a guerra. O correspondente do New York Time, assim resume a situação, num despacho enviado ao seu jornal a 22 de março de 1936: “Fundamentalmente, a situação econômica da Alemanha gira em torno do financiamento do rearmamento...”  377

O fascismo significa guerra.

Significa guerra não porque os líderes dos dois países fascistas gostem dela. Significa guerra porque a economia fascista é a economia capitalista com a mesma necessidade de expansão, a mesma necessidade de mercados, que caracteriza o capitalismo no seu período imperialista.



Quando a economia capitalista entra em colapso e a classe trabalhadora marcha para o poder, então os capitalistas se voltam para o fascismo como a saída. Mas o fascismo não pode resolver seu problema, porque nele, do ponto de vista econômico, nada se modifica. Na economia fascista, como na economia capitalista, a propriedade privada dos meios de produção e o lucro são básicos.

Haverá uma moral para os capitalistas, na história de como os indianos pegam macacos, contada por Arthur Morgan? “Segundo a história, tomam de um coco e abrem-lhe um buraco, do tamanho necessário para que nele o macaco enfie a mão vazia. Colocam dentro torrões de açúcar e prendem o coco a uma árvore. O macaco mete a mão no coco e agarra os torrões, tentando puxá-los em seguida. Mas o buraco não é bastante grande para que nele passe a mão fechada, e o macaco, levado pela ambição e gula, prefere ficar preso a soltar o açúcar.” 378





FIM











201 A Century of Birmingham Life from 1741-1841. Compilado e organizado por J. A Langford. Osborne, Birmingham, 1868. Vol. 1, p.221.
202 Cf. J. Lord, Capitalism and Steam Power, 1750-1800. P. S. King and Son, Londres, 1923, p. 175.
203 Cf. D. George, London Life in 18th Century. Kegan, Paul, Trench, Trubner and Co., Ltd., Londres, 1930, P. 338
204 Cf. A. Toynbee, Lectures on the Industrial Revolution of the 18th Century in England (1884). Longmans, Green and Co., Londres, 1913.
205 J. L. e B. Hammond, The. Twon Labourer, 1760-1832. Longmans, Green and Co., Londres, 1933.
206 P. Gaskell, op. cit., Londres, 1838. Prefácio.
207 B. Disraeli, Sybil or the Two Nations (1845). Macmillan & Co., Ltd., Londres, 1895, p. 74.
208 Reports from Asistant Hand-Loom Weaver’s Commissioners, op. cit., Parte II, p. 232, 1840.
209 J. L. e Barbara Hammond, op. cit., pp. 19-20.
210 Report of the Minutes of Evidence Taken Before the Selected Committee on the State of the CMtdren Employed in the Manu factories, 1816, p 178-180.
211 First Report of the Central Board of His Majesty’s Commissioners on Employment of Children in Factories, 1833, pp. 31, 32.
212 J. L. e B. Hammond, op. cit., P. 160.
213 Th. Rothstein, From Chartism to Labourism, Martin Larence, Ltd., 1929, p. 9.
214 Citado por Engels, A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra em 1844.
215 Ibid.
216 São João, XII, 8.
217 Hammond, op,. cit., p. 163.
218 Ibid., p. 57.
219 A. Ure, The Philosophy of Manufactures (1835). Londres, 1861, p. 17.
220 W. Paley, Reasons for Contentment: Addressed to the Labouring Part of the British Public, Londres, 1793, pp. 11-12.
221 Ibid., p. 16
222 Ibid., pp. 20, 22
223 Ure, op. cit., p. 297
224 Adam Smith, op. cit., vol. I, p. 123.
225 F. Peel. The Risings of the Luddites, Chartists and Plugdrawers, Heckmondwike, 1888, p. 284.
226 Ibid, pp. 71-72, 75.
227 J. L. e B. Hammond, The Skilled Labourer, 1760-1932. Longmann, Green and Co., Londres, 1919, p. 110.
228 J. L. e B. Hammond, op. cit., pp. 66-67.
229 Adam Smith, op. cit., vol. II, p. 207
230 Citado por Engels, op. cit.
231 Engels, op. cit.
232 Adam Smith, op. cit., vol. I, pp. 68-69
233 Hammond, The Town Labourer, p. 209, nota
234 E. Levasseur, op. cit., vol II, p. 241
235 H Müller, Geschichte  dar deutschen Gewerkschaften bis zum Jahre, 1878, Verlag Vorwarts, Berlim, 1918.
236 Federação Metodista de Serviço Social, The Social Questions Bulletin, janeiro de 1936
237 Shelley Complete Poetical Works, compilados por G. E. Woodberry, Houghton Mifflin Company, 1901, pp. 364-365.
238 Adam Smith, op. cit., Vol I, p. 419
239 T. R. Malthus, An Essay on The Principle of Populations, J. Johnson, Londres, 1798, pp. 176-177
240 Ibid, pp 14, 23, 14.
241 Ibid., p. 141
242 Ibid., p. 346
243 Ibid., 2ª ed., p. 549.
244 M. Turgot, Reflections on the Formation and Distribution of Wealth (1766), E. Spragg, Londres, 1789
245 D. Ricardo, The Principles of Political Economy and Taxation
246 Ibid.
247 Ibid
248 Ibid.
249 Ibid
250 Ibid.
251 Ibid
252  N. W. Sênior, Letter on the Factory as it Affects the Cotton Manufacture (1837), 3ª ed., Londres, 1844, pp. 4-5.
253  J. S. Mill, Principles of Political Economy (1848), vol. I, Parker & Son, 1842, p. 409
254  Prof. Perry, citado em The Wages Question, por Francis A. Walker, Henry Holt and Company, Inc., N. York, 1891, p. 145
255 N. W. Sênior, Three Leitures on the Rate of Wages, 2ª ed., prefácio, John Murray, Londes, 1831. Prefácio.
256 Walker, op. cit., pp. 128-130.
257 F. Utley, Lancashire and the Far East, Allen and Unwin, Ltd., Londres, 1931, pp. 110, 387
258 J. S. Mill, Principles of Political Economy, Longman, Green and Co., Londres, 1909, p. 993
259 J. E. Cairnes, Essays in Political Economy, pp. 260-261. Macmillan and Company, Londres, 1873
260 Ricardo, op. cit., p. 81
261 F. List, Prefácio ao Sistema Nacional de Economia Política, 1841
262 Ibid.
263 Ibid.
264 O Capital, vol. I
265 Ibid., vol. I
266 Ibid.
267 Ibid.
268 Karl Marx, Valor, Preço e Lucro (1865). P. 35 da edição americana feita pela International Publishers, N. York, 1935
269 O Capital, vol. I
270 Ibid
271 Valor, Preço e Lucro, op. cit., pp. 44-45
272 Niclos e Hay, Abraham Lincoln, Complete Works, Century Company, N. York, 1920, vol I, p. 92
273 H. W. Laidler, A History of Socialist Thought, Thomas Y. Crowell Company, N. York. 1927. p. 56
274 Robert Owen, Book of the New Moral World, Londres, 1836. p. 58.
275 H. W. Laidler, op. cit., p. 70.
276 E. Levasseur, op. cit., vol. II, p. 18
277 K. Marx e F. Engels, Manifesto do Partido Comunista (1848)
278 Martin Lawrence, Karl Marx e Friedrich Engels Correspondence, 1846-1895. Londres, 1934, pp. 376-377
279 F. Engels, Socialismo, Utópico e Científico.
280 K. Marx, Contribuição à Crítica da Economia Política (1859)
281 Manifesto Comunista
282 O Capital, vol. I
283 K. Marx, Cartas ao Dr. Kugelmann, trad. do Instituto Marx-Engels-Lênin,  publicada em Londres, p. 26.
284 Correspondência entre Marx e Engels.
285 Manifesto Comunista.
286 Manifesto Comunista.
287 Abrakam Lincoln, Complete Works. vol. 1. p. 105.
288 Manifesto Comunista.
289 Ibid.
290 Wealth of Nations, vol. II, p. 143
291 Woodrow Wilson, The New Freedom, Doubleday, Page And Co., N. York, 1913, pp. 57, 189, 190.
292 New York Herald Tribune, 27 de setembro de 1932 (grifos meus)
293 Engels, Socialismo, Utópico e Científico.
294 W. S. Jevons, Theory of Political Economy, Macmillan & Company, Londres, 1871, p.2
295 S. Cannan, op. cit., p. 201
296 Jevons, op. cit., p. 52
297 Cannan, Review of Economic Theory, pp. 203-204.
298 O Capital, vol. I
299 Ida M. Tarbell, The History of the Standard Oil Company, The Macmillan Company, 1925
300 J. W. Jenks-W. E. Clark, The Trust Problem, 5ª ed., 1929, Doubleday, Doran & Company, Ind., p. 29
301 The Encyclopedia of Social Sciences, vol. III, p. 234, artigo por R. Liefmann, The Macmillan Company, N. York
302 J. Morgan Rees, Trusts in British Industry, 1914-1921. King & Son, Londres, 123.
303 Citado em Other People’s Money (1914), de L. D. Brandels, Washington, 1933
304 Lênin, Imperialismo (1916)
305 Other People’s Money, p. 3.
306 Citado em Imperialism and World Politics, de P. T. Moon, The Macmillan Company, N. York, p. 27
307 Ibid., p. 66
308 Citado em The American Observer, 18 de março de 1936
309  Lenin, op. cit.
310 J. A. Hobson, Imperialism, J. Pott & Co., N. York, 1902, p. 91.
311 Leonard Woolf, Imperialism and Civilization, Hogarth Press, Londres, 1933, pp. 73-4
312 The Last Will and Testament of Cecil John Rhodes, organizado por W. T. Stead, Review of Reviews, Londres, 1902
313 G. Gorer, Africar Dances, Londres, Faber and Faber, 1931, p. 122
314 L. Woolf, Economic Imperialism, Swarthmore Press, Londres, 1920, p. 102
315 J. Morgan Rees, op. cit., p. 245
316 Citado em Economic Imperialism and International Relations During The Last Fifty Years, de A. Viallate, The Macmillan Company, N. York, 1923, p. 62
317 Common Sense, novembro, 1935
318 A. A. Berle e G. C. Mens, The Moderno Corporation and Private Property, The Macmillan Company, N. York, 19333, p. 19.
319 Ibid., pp. 24-25
320 Lênin, op. cit.,
* Este livro foi escrito em 1936 (N. do T.)
321 Rhodes, op. cit., p. 190
322 Manifesto Comunista
323 F. a. von Hayek, Monetary Theory and the Trade Cyrcle, Jonathan Cape, Londres, 1933, p. 68.
324 K. Marx e F. Engels, Correspondência.
325 Thorstein Veblen, The Vested Interests and the Common Man, W. Huebsch, N. York, 1920, pp. 92 e ss.
326 Wesley C. Mitchell, Business Cycles, 1927, pp. 65-66
327 Ibid., pp. 9-10
328 A. C. Pigou, Industrial Fluctuations, 2ª ed., Macmillan & Companhy. Ltd., Londres, 1929, p. 33
329 Ibid., pp. 90-91.
330 Ibid., p. 34
331 J. M. Keynes, A Tract on Monetary Reform, op. cit., Pref
332 Ibid., pp. 38, 40.
333 F. A. von Hayek, Prices and Production, Boutledge & Sons., Londres, 1931, p. 89.
334 J. A. Hobson, Poverty in Plenty, Allen & Unwin, Londres, 1931, pp. 54, 63, 64, 67.
335 F. a. von Hayek, op. cit., pp. 85, 86, 111, 112.
336 Cf. John Strachey, The Nature of the Capitalist Crises, N. York, 1935, para uma explicação mais detalhada desse ponto.
337 Karl Marx, O Capital, vol. III
338 Thomas Carlyle, Past and Present. Chapman & Hall, Londres, 1843, livro I, cap. III.
339 V. I. Lênin, Para a Tomada do Poder, vol. I
340 Ibid., vol. II
341 John Reed, Ten Days that Shook the World (1919), International Publishers, N. York, 1926, p. 126
342 New York Times Magazine, 6 de novembro de 1932
343 New York Times, 22 de abril de 1936.
344 Sidney e Beatrice Webb, Soviet Communism: A New Civilization?, Charles Scribner’s Sons, N. York, 1936, v. II, pp. 602, 630
345 Ibid., p. 631
346 Ibid., p. 625
347 Socialist Planned Economy in the Soviet Union, Martin Lawrence, Londres, 1932, p. 24
348 Citado em Social and Economic Planning, por C. A. Macartney, Londres, 1935, p. 19
349  Life in Soviet Rússia, M. I. Cole, em The Highway, dezembro 1932, p. 15.
350 New York World-Telegram, 4 de março de 1936
351 New York Times, 27 de março de 1936
352 “Economist, em The Highway, dezembro de 1932, p. 19
353 Emile Burns, Russia’s Productive System, Gollanez, Londres, 1930, p. 234
354 E. Belfort Bax, The Last Episode of the French Revolution Being a History of Bracchus, Bafeuf and the Conspiracy of Equals, Grant Richards, Londres, 1911, p. 132.
355 Socialist Planned Economy, op. cit., pp. 46-47
356 Webbs, op. cit., vol. II, p. 768
357 Fortune, março de 1936, p. 200
358 Citado em Webbs, op. cit., vol. II, p. 758
359 Manchester Guardian, 20 de fevereiro de 1936.
360 Webbs, op. cit., pp. 794, 795.
361 Segundo o New York Times, de 26 de julho de 1936
362 New York Times, 3 de julho de 1936
363 New York Times, 5 de fevereiro de 1936
364 B. Stolberg e W. J. Vinton, The Economic Consequences of the New Deal, p. 85. Harcourt, Brace and Company, N. York, 1935.
365 Barbara Wootton, Plan or no Plan, Gollanez, Londres, 1934, p.320
366 Times, de Londres, 28 de agosto de 1935 (O grifo é meu.).
367 New York Times, 6 de dezembro de 1935
368 G. D. H. Cole, the Principles of Economic Planning, Macmillan & Companny, Ltd., Londres, 1935, p. 222
369 Stolberg e Vinton, op. cit., pp. 20-21
370 J. B. Clark, The Distribution of Wealth, The Macmillan Company, New York, 1899, Prefácio, p. 3.
371 G. Feder, O Programa do N. S. D. A. P. e seus Conceitos Gerais, Munique, 1932.
372 The Economist (Londres), 1º de Fevereiro de 1936.
373 New York Times, 24 de março de 1936.
374 John Gunther, Inside Europe, Harpe & Brothers, 1936, p. 189.
375 Benito Mussolini, “The Political and Social Doutrine of Fascism”, em Political Quartely (Londres), julho-setembro de 1933.
376 Adolf Hitler, Mein Kampf, Verlag Franz Eber Nachfolger, Munique 2, Nº 1930 (VI Auflage).
377 New York Times, 22 de março de 1936.
378 Arthur Morgan, “Power and the New Deal”, The Forum, março, 1935.